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Centro Cultural Povos da Amazônia ganha obra de arte

Em apenas três dias a imensa caixa d’água do Centro Cultural dos Povos da Amazônia, um espaço triste e sem vida, ganhou cores e alegria, ainda que a imagem seja de uma mulher orando e a reverência seja aos que perderam a luta contra a Covid-19. O gigantesco grafite de quase 15 metros de altura foi feito pelo artista plástico Raí Campos, o Raiz, que tem suas obras espalhadas por toda Manaus, em muros e viadutos, e a indígena retratada é a técnica de enfermagem Vanda Ortega Witoto, que se tornou símbolo entre os indígenas na luta contra a doença ao atuar em várias ações junto aos moradores do Parque das Tribos, e se tornou a primeira indígena do Amazonas a receber a vacina contra a Covid-19.  

Um espaço triste e sem vida, ganhou cores e alegria, ainda que a imagem seja de uma mulher orando – Foto: Divulgação

A quase totalidade dos grafites de Raiz retrata figuras indígenas. Nascido na Vila do Pitinga, em Presidente Figueiredo, seu primeiro contato foi com os waimiri atroari. Incentivado pelo pai José Dennes, e vendo revistas de skate, com onze anos de idade o menino se apaixonou pelos desenhos da cultura hip-hop, começando a arremedar seus primeiros grafites.

Adolescente, em Manaus, se tornou pichador de muros, mas o artista falou mais alto e logo ele passou a grafitar com pinturas cada vez mais artisticamente trabalhadas até chegar à atual perfeição.

Para este trabalho, Raiz foi convidado por Jessilda Furtado, diretora do Centro Cultural e pelo artista plástico Turenko Beça. O objetivo era dar vida, artisticamente, para a caixa d’água. Parceiros ajudaram para que o projeto se concretizasse: a Entec Equipamentos cedeu um guindaste, as lojas Pincéis Atlas e Shop Tintas doaram todo o material que o artista precisou, e a Secretaria de Cultura se responsabilizou pela logística. No dia 18 de junho, acompanhado por seus dois assistentes, Rebeca e Plóris, Raiz deu início ao trabalho.

Oração de Vanda Witoto    

“Já homenageei, em meus grafites, outras personalidades indígenas como Sônia Guajajara; Margarida Morilo, a Margô; e Raoní, em Mato Grosso. Os fazendeiros de lá odiaram esse trabalho; e o cantor David Assayag. Agora me inspirei na Vanda Witoto, que esteve na linha de frente no combate à Covid-19, no Parque das Tribos, no Tarumã”, destacou.

De uma foto do fotógrafo Alex Pazuello, Raiz fez um esboço e partiu para a parede da caixa d’água. Falando em caixa d’água, o mais alto grafite feito por Raiz até agora, com 27 metros de altura, está pintado na caixa d’água da empresa Águas de Manaus, em frente ao Shopping Ponta Negra. O grafite retrata a indígena Margô, que fugiu pelos rios do Norte do Amazonas, para não ser morta pelos integrantes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Raiz deu nome à sua obra de ‘Mãe das águas’.

“Este, agora, mostra a Vanda Ortega, em oração, de luto pelas almas que deixaram esse planeta. Alguns indígenas, em volta dela, fazem reverência. O vermelho também remete a esse momento e ao sangue indígena derramado há mais de 500 anos. É o vermelho do urucum, que representa a cultura dos povos indígenas da Amazônia”, explicou.

O grafite ‘Oração de Vanda Witoto’ tinha previsão de ficar pronto em quatro dias, mas com três estava concluído. Raiz, Rebeca e Plóris começaram a pintura no dia 18 de junho e, no dia 21 a obra foi finalizada.

“Trabalhamos de 6h às 22h, só parando para almoçar. No último dia começamos às 4h. Apesar do cansaço, a vontade de terminar é a força que nos estimula. O que nos fortaleceu ainda mais foi o apoio recebido do pessoal do Centro Cultural”, lembrou.

O maior fã   

Raiz não assinou o grafite, mas desenhou seu nome, em cor rosa, quase imperceptível.

“Decidi colocar aquela assinatura de forma transparente, para não interferir na obra, mas para marcar”, falou.

Em maio, Raiz participou do Festival Amazônia Walls com um trabalho no muro externo da penitenciária Raimundo Vidal Pessoa. Seus grafites podem ser vistos não só por toda Manaus, como também em outras cidades do país e do exterior.   

“Tenho grafites em todas as regiões do país, com participação em diversos eventos, e até no exterior, em Montevidéu, Washington e Berlin”, informou.

Raiz revelou que grafita o tempo todo.

“O grafite tem um poder muito grande de transformar o ambiente, o espaço e as pessoas. Já estou com 15 anos nessa caminhada e vi muita coisa acontecer: batalha de facções ser resolvida na paz, pessoas se curarem de depressão, outras se conheceram e casaram através do grafite. Fiz um grafite na Samel, e muitos pacientes, depois, me mandaram mensagens dizendo que se curaram mais rapidamente ao ver meu trabalho. O grafite não é só uma forma de embelezar a cidade, mas socializar, unir as pessoas, inclusive artistas, que pintam juntos um mesmo mural”, contou.

Agora Raiz está restaurando um grafite no São Jorge. Uma empresa do bairro apagou o trabalho e a população se revoltou, obrigando-a a restaurá-lo. Depois restaura um mural na Marina Tauá e, em seguida, viaja para São Gabriel da Cachoeira onde vai pintar um mural, com cerca de 200 metros de comprimento, homenageando Feliciano Lana.

“O próximo passo será construir a escola de artes José Dennes, homenageando meu pai, meu maior incentivador, que morreu de Covid. Em 2019 ganhei um prêmio, em São Paulo, e fui com ele. Ele sempre dizia que era o meu maior fã”, concluiu.

“O próximo passo será construir a escola de artes José Dennes, homenageando meu pai” – Foto: Divulgação
Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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