Parece que desta vez o estranho conúbio entre as multinacionais dos pneus com a burocracia do Ministério de Meio Ambiente, com as bênçãos de uma parte dos movimentos ambientalistas, conseguiu finalmente destruir a BSColway cortando seu acesso à importação de pneus usados que se transformavam em pneus remoldados. Quanto às multinacionais, nada a estranhar, pois estão fazendo exatamente seu papel, que é defender com unhas e dentes seus mercados e seus privilégios mundo afora, sempre invocando princípios nobres que seduzem os néscios e encantam os ingênuos. No que toca à burocracia ambientalista, também há pouca surpresa pois a área está infestada de crenças ideológicas travestidas de conhecimento científico, manipuladas com desenvoltura para justificar as medidas mais esdrúxulas, sempre em nome dos nobres objetivos de proteger a natureza e os indivíduos que o bom Deus colocou neste planeta. O que me causa realmente estranheza é que ambientalistas altamente respeitáveis aceitem fazer o papel de porta-bandeiras para essas duas turmas que exploram o seu idealismo, substituindo o exame realmente crítico e científico das questões ambientais pelo raciocínio simplista das palavras de ordem e dos slogans politicamente corretos.
Juscelino Kubitschek dizia que Deus o havia poupado do sentimento do medo. Comigo, o Senhor foi mais parcimonioso, mas me poupou pelo menos do medo de ser ou parecer politicamente incorreto. Essa história de que as importações de pneus usados “transformariam o Brasil em lata de lixo do mundo”, e “ampliariam o passivo ambiental” têm o tom do mais absoluto e insustentável sloganismo, que serve bem ao interesse das multinacionais dos pneus, inconformadas com qualquer tipo de ameaça à sua hegemonia. Por quê? Primeiro porque considerar a importação de sucata de qualquer produto para sua reciclagem como importação de lixo é uma tolice atroz. Lixo e sucata são coisas totalmente diferentes: o primeiro não tem utilização, acumulando-se em aterros, lixões e mesmo no fundo do mar, poluindo o meio ambiente; sucata é uma matéria prima utilizável mais de uma vez e seu reuso ou reciclagem é altamente desejável em termos ambientais, como é bastante óbvio para os espíritos desarmados. Em 2005, os Estados Unidos reciclaram ou exportaram para reciclagem 76 milhões de toneladas métricas de sucata de ferro e aço, fazendo com que o coeficiente de reutilização superasse 75% do total produzido. Não é demais lembrar que fazer aço de sucata consome muito menos recursos naturais do que fazê-lo do zero, escavando gigantescas minas a céu aberto de minério e causando – aí sim – um gigantesco impacto ambiental. O aço não está sozinho e a utilização e importação de apenas a sucata “velha” de produtos imprestáveis responde por 40% da produção total do metal.
De novo, não é necessário muito conhecimento científico para entender que produzir alumínio dessa forma é muito menos agressivo em termos de utilização de recursos finitos do que produzindo-o a partir da bauxita e da alumina, que exigem enormes dispêndios energéticos. E a borracha? Pois é, de acordo com estudos científicos realmente sérios, gasta-se sete galões de óleo cru (cerca de 26 litros de óleo) para produzir um único pneu a partir do zero. Como cerca de 60% da borracha usada no mundo é sintética (ou seja derivada do petróleo, esse produto que está custando quase US$ 100 o barril e deverá estar extinto antes do fim do século), o mercado para pneus usados para reciclagem e reutilização de maneiras diversas (pneus remoldados, asfalto com borracha adicionada, fonte de energia) já atinge mais de 80,4% dos pneus produzidos nos Estados Unidos, a pátria-mãe do desperdício e do gasto indiscriminado de recursos naturais. E de novo: que gasta mais recursos naturais e polui mais: a produção de pneus a partir das matérias primas básicas ou a remoldagem de parte do pneu, com aproveitamento de uma grande parte ainda utilizável? A resposta é óbvia.
Que resta do “argumento ecológico”
Erguendo a bandeira errada
Redação
Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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