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ARTIGO: Consumo, consumismo e lixo (PARTE 1)

O homem é um ser fadado a consumir o que a natureza oferece, e durante muito tempo ele tem consumido e modificado sua relação homem natureza graças à sofisticação das mediações tecnológicas, mas sem se preocupar com o descarte daquilo que não se faz necessário a sua existência. O que mudou de uma sociedade caracterizada por sua ligação mais harmoniosa com a natureza e com outros homens, uma sociedade de produtores, para uma sociedade cujo estado de espírito, conhecido como felicidade, está consubstanciado ao consumo compulsivo de produtos oferecidos freneticamente pela Indústria Cultural?
O sociólogo Zygmunt Bauman (1925) nos ensina que essa sociedade, por nós entendida como a sociedade da pseudofelicidade, está precisamente constituída não mais por produtores, mas por consumidores, ambiguamente caracterizados, ora como indivíduos bestiais seduzidos pelas mercadorias, ora como sujeitos autônomos procurando uma sustentabilidade só por meio do discurso; a vocação consumista desses indivíduos desejantes não tem gênero e é individualmente alcançada por seu respectivo empenho, configurando assim, o estado líquido globalizado da Modernidade.
O consumidor do estado sólido da Modernidade esperava que os bens fossem duradouros como suas posições sociais porque isso constituía um patrimônio de uma geração a ser deixada a outra futura. Diferentemente do estado líquido da Modernidade, que conforme a intensidade e o volume dos desejos implicam na substituição cada vez mais rápida dos objetos destinados a satisfazê-los, resultando em descarte em massa. E quão grandes implicações a conjuntura da liberdade de tomar empréstimo facilitado vão implicar na sociedade de consumidores, onde todas as coisas têm preço!
Zygmunt Bauman descreve o consumismo como algo capaz de destruir a memória, pois no mesmo momento que as pessoas são impulsionadas a adquirir algo novo, estas também são levadas a esquecer do antigo: a memória do arcaico e ou a sensação de estar fora do meio daqueles que já possuem as novidades é algo comum no estado líquido da Modernidade; é um ato de liberdade que, dentre outras experiências humanas, quando realizadas, proporciona satisfação, mas decorre que esse ato de liberdade nem sempre é guiado com responsabilidade, especialmente a responsabilidade ambiental.
O consumo, o consumismo e a produção de lixo estão relacionados aos efeitos nocivos da publicidade porque a sociedade além de consumir produtos, consome padrões de felicidade, de beleza, de bem estar, etc. Jean Baudrillard (1929* 2007†), sociólogo e filósofo francês, salienta que essa sociedade capitalista constitui-se em um estilo de vida hedonista forjando toda uma práxis do consumo, principalmente, porque a explosão da produção e do consumo, que teve início por volta dos anos cinquenta com o american way of life, chegou ao seu ponto mais alto nos anos oitenta e anos seguintes.
O sistema produtivo do capital produziu objetivamente não só uma solução mais ou menos duradoura para a contradição que repousa sob a tríade produção, consumo e distribuição, mas produziu também um novo tipo de subjetividade consumidora porque o consumidor passou a deparar-se com duas situações: a liberdade de escolha diante de uma infinidade de possibilidades de consumo, que acarretam em responsabilidade na felicidade e realização individual e o medo em conjunto com a insegurança de tomar qualquer decisão, por causa de suas implicações no meio social.
Richard Layard (1934) oportuniza-nos uma grande contribuição para essa discussão na obra Happiness: has social science a clue? (Felicidade: a ciência social tem uma pista?). o economista inlgês afirma que a felicidade cresce de acordo com os incrementos de renda, mas o próprio Zygmunt Bauman contraria esse pensamento ao afirmar que não existe qualquer evidência empírica de que, com o crescimento do volume geral (ou médio) de consumo, o número de pessoas que afirmam que se sentem felizes também vá aumentar. Quem é o dono da razão? É muito cedo para opinarmos.
Uma coisa é certa! O resultado do ataque massivo das mídias numa sociedade que vive mais é funesto, pois divide a sociedade em duas frações de indivíduos, o que Zygmunt Bauman e Jean Baudrillard vão classificar como turistas, ou seja, aqueles indivíduos que têm acesso a ir e vir de diversos lugares consumindo tudo o que lhe apraz; e aqueles considerados vagabundos, ou seja, aqueles indivíduos restritos a um nicho de produtos setorizado em um único lugar. Isso significa que o consumo tem dimensões de lugar, tempo e espaço, e que isto é que vai organizar as sociedades modernas.
Zygmunt Bauman esclarece, ainda, que as facilidades de liberdade de crédito fácil junto a entidades financeiras sejam elas nas formas de cartão de crédito ou empréstimos pessoais consignados tem incentivado um determinado quadro macroeconômico de endividamento, até mesmo entre os indivíduos considerados não pobres. Os ricos que compõem a burguesia e a classe média, por exemplos, são as pessoas que “não possuem nome limpo no mercado”. É uma forma de endividamento que abriga a promessa de felicidade, enfim, um engodo que a sociedade moderna tem comprado e usufruído de maneira obsessiva.
João Bosco Ladislau de Andrade nos ensina que o consumo, catapultado desde a Revolução Francesa até os dias de hoje, extrapolou a harmonia do circuito bem-utilidade-consumidor porque a publicidade tem levado os consumidores a comprar, mesmo que isso signifique pouca ou nenhuma satisfação. O consumir já não se dá em função da utilidade ou necessidade do bem e do que antes isso representava, mas, sim, em função do impulso, da extravagância, enfim dos muitos motivos psicológicos, antropológicos etc., transformando a lógica da necessidade na lógica do desejo.
Os produtos adquiridos também são geradores de novas necessidades, e se tornam obsoletos por dois vetores comportamentais. João Bosco Ladislau de Andrade esclarece os vetores ensinando que a Obsolescência Programada é aquela que a indústria prevê para produzir num determinado espaço de tempo e, assim, os produtos já estão programados a se tornarem obsoletos em determinado espaço de tempo; já a Obsolescência Perceptiva é aquela que por intermédio dos veículos de mídia, o marketing convence o consumidor de que tal produto é melhor que outro similar, às vezes com funções a mais somente.
O educador sintetiza uma das dimensões desse circuito perverso escrevendo: “sob a égide da sociedade de mercado, se intensifica e noutras vezes se cria uma “mentalidade de consumo”, cujo objetivo reside mais na avidez por dinheiro do que na obtenção de satisfação de necessidades ou desejos reais”. O padrão de demanda do consumidor é moldado, também, pela crença não mais no prazer ou na satisfação obtidos a partir da utilidade reconhecida que subjaz o bem consumido, mas, porque o consumidor acredita, piamente, que sua felicidade se produz no ter as coisas.
João Bosco Ladislau de Andrade esclarece, em tempo recentíssimo, que a intensificação do consumo até seu atual momento máximo, o consumismo, está conectada à substituição da lógica da necessidade pela lógica do desejo, e isso deixa patente que é especificamente sobre o desejo que age um poderoso conjunto de mediações, uma poderosa tecnologia que direciona a sociedade para um estado de individualismo patológico: a publicidade. É essa mesma publicidade que nos faz confundir individualidade com egoísmo, nos conduzindo ao mais baixo nível dos valores humanos mais profundos.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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