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Conversas entre pais

Finalzinho de tarde na rua Varre Vento, no Bairro São José Operário, na cidade de Manaus. Dois amigos, de longa data, se reencontraram, depois de um ano e meio de isolamento social por causa da Covid-19.

— “A minha filha anda aflita”, disse Francisco. “Ela não sabe como eu sobrevivi a esse vírus.” — “Me desculpe meu amigo, mas eu não quero falar de doença”, foi logo retrucando seu Pedro. “Eu quero falar é de vida, de futuro, daqui pra frente e não do passado”. — “Mas meu amigo Pedro, vida e morte não são a mesma coisa?”. — “Eu também não quero falar de filosofia, Francisco.” — “De política, então, podemos conversar?”. — “Deus me livre. De política que eu não falo mesmo.” — “Em quem você vai votar esse ano?”, insistiu Francisco. Mas diante da negativa do amigo, tratou logo de mudar de assunto. — “E de futebol, podemos falar?”, propôs Francisco. — “Eu não converso com botafoguense”, respondeu Pedro. — “Eu também não gosto de flamenguista e mesmo assim a nossa amizade já dura mais de três décadas”, ponderou Francisco. E insistiu: “Somos adversários e não inimigos.” — “Você tem razão”, respondeu Pedro. “O importante é que haja respeito”. — “Isso mesmo meu amigo. Agora chegamos a um ponto em comum”, concluiu Francisco. — “É somente sobre esse assunto que concordamos”, insistiu Pedro. — “Sobre religião também pensamos igual”, disse Francisco. — “Não. Eu sou espírita e você é católico. Sobre religião que não falo mesmo”, disse seu Pedro. — “Por quê?”, insistiu Franciso. — “Porque não quero perder a sua amizade”. — “Nada haver”, disse Francisco. — “Tudo haver”, insistiu seu Pedro. E continuou: — “Então me diga uma coisa: o Papa Francisco é comunista ou, não é?”. — “Quem foi que te disse uma asneira dessa?”, indagou Francisco. — “Aquele nosso amigo…” 

Seu Pedro nem chegou a dizer o nome de quem havia lhe dito que o Papa Francisco era comunista, quando foi interrompido pelos gritos de seu filho, Reginaldo, dizendo que estava na hora de tomar os remédios. Seu Francisco, que era pai de Luiza, foi logo falando: — “Tai um assunto que nos une: o futuro dos nossos filhos”. — “Verdade, meu amigo”, disse seu Pedro. E perguntou: — “Que mundo iremos deixar para os nossos filhos?”. — “Meu amigo Pedro, eu também fico me perguntando: qual é o papel dos pais nos dias de hoje? Existe uma fórmula mágica para ser um bom pai? Como aprender a ser um bom pai?” — indagava seu Francisco.

Enquanto os velhos amigos conversavam, e finalmente com um assunto em comum, o futuro dos seus filhos, Reginaldo e Luiza, chegaram, ambos, ao mesmo tempo, na calçada da rua, cada um com um copo de água na mão e na outra uma bacia cheia de cápsulas de remédio.

— “Engula”, disse Luiza para o seu pai. Reginaldo deu a mesma ordem para o seu pai. — “Vocês estão juntos?”, pensou consigo mesmo seu Pedro, enquanto tomava os remédios. — “Ela não tinha o direito de fazer isso comigo, eu sempre ensinei a minha filha que esse Reginaldo não vale nada, que ele é um galinha, igualzinho ao pai”, pensou consigo mesmo Francisco, enquanto fazia força para engolir todos os remédios de uma única vez. 

Depois que os jovens aplicaram os remédios para os seus respectivos genitores, eles saíram alegres, com a sensação de dever cumprindo. Antes, porém, Luiza olhou em volta. Segurou a mão de Reginaldo e puseram-se a conversar longamente, na porta da sua casa, demostrando profunda intimidade e cumplicidade, até despertar a ciumeira de seus pais.

— “Podemos discordar de tudo, mas de uma coisa não podemos duvidar: esses dois aí se gostam”, disse Francisco. — “Deixe para lá homem. Que sejam felizes”, disse seu Pedro. Em seguida riram as gargalhadas, porque amizade que não faz rir não é amizade, é inimizade.

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