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Declaração de Belém conta com 113 objetivos e princípios, mas não apresenta metas

A Cúpula da Amazônia se encerrou, nesta semana, com poucos consensos. O maior é que o saldo do evento ficou muito abaixo do esperado. Firmada pelos oito países da OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), a Declaração de Belém conta com 113 objetivos e princípios. Mas, não trouxe metas, nem ofereceu soluções práticas para evitar mudanças climáticas. Os países não conseguiram chegar a um acordo para traçar parâmetros que levem à redução de desmatamento e ao controle sustentável da exploração de petróleo na região, dois dos pontos chave do encontro.

Foi divulgado ainda um comunicado conjunto com as considerações finais do encontro. O documento reitera compromissos de conservação e valoração da biodiversidade, pedindo como contrapartida, vantagens a produtos florestais sustentáveis nos mercados dos países desenvolvidos. “Manifestamos também nossa preocupação com o não-cumprimento, por parte de alguns países desenvolvidos, de suas metas de mitigação. E relembramos a necessidade de liderar e acelerar a descarbonização de suas economias”, assinalou o texto, mencionando os US$ 100 bilhões anuais prometidos para financiamentos climáticos.

Na avaliação do diretor-executivo da associação PanAmazônia, Belisário Arce, a cúpula foi um “fiasco diplomático”, já que apenas quatro dos oito chefes de Estado de países que têm territórios na Amazônia (Bolívia, Peru, Colômbia e Brasil) estiveram presentes no evento, enquanto Equador, Guiana, Suriname e Venezuela mandaram representantes. O empresário vê contradições no discurso do governo e questiona o embasamento científico para a afirmação de que a “Amazônia está próxima de seu ponto de não retorno”. 

Lamentou principalmente o fato de o setor produtivo não ter sido chamado para o debate. “Nenhuma entidade de classe foi convidada. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse que essa era a primeira vez em que os amazônidas eram chamados para discutir o futuro da região. Mas, mencionou apenas indígenas, quilombolas e ribeirinhos. São apenas 500 mil pessoas falando em nome de uma população de 30 milhões”, desabafou.

O presidente da Fieam, Antonio Silva, defende que as questões ambiental e econômica precisam ser equacionadas. “O tratado não definiu nenhuma meta, mas admitiu que o ponto de ruptura está próximo, o que já é um avanço. Precisamos, todavia, de ações e medidas práticas que consigam materializar e transformar bons conceitos em negócios viáveis e sustentáveis, a exemplo do CBA. Não se trata apenas de preservação, é necessário aliar essa vocação ao efetivo desenvolvimento. Precisamos consolidar nossas cadeias produtivas e de uma infraestrutura que permita produção em escala e de qualidade, assim como desburocratização do acesso de crédito para quem atua no conceito da bioeconomia”, listou.

O procurador de contas e titular da coordenadoria de Meio Ambiente do MPC-AM (Ministério Público de Contas do Amazonas), Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, avalia que seria melhor se os países tivessem ousado o anúncio de medidas contundentes de repressão “a ilegalidades que ameaçam as águas e a floresta”. Ele considera que, diante da urgência da questão climática e da “grave ameaça ao planeta”, a expectativa dos povos da Amazônia e da sociedade foram frustradas pela falta de definição de recursos e metas. 

“Mas, é preciso perceber que avançamos na agenda. Temos um estreitamento de laços entre os países amazônicos, a convergência de preservação da floresta e a demanda aos países desenvolvidos, maiores responsáveis pela crise. Feito o compromisso, agora podemos reivindicar a coerência dos governos em ações estruturantes e emergenciais de combate efetivo ao desmatamento e ao garimpo, bem como políticas públicas”, amenizou. 

“Caminho da prosperidade”

Belisário Arce, garante que, diferente do ocorrido entre os povos da floresta, há um discurso unificado e consensuado entre os associados da entidade –que congrega 126 empresários do Amazonas, Roraima, Pará, Mato Grosso, Acre e Maranhão. “O único caminho para salvar a Amazônia é a prosperidade. A região vive uma grande inércia econômica, especialmente no interior. Em 65%, 70% dos municípios, o IDH é igual ao dos países africanos. A miséria é muito grande e causa degradação ambiental”, resumiu.

No entendimento do executivo, a “abordagem do ambientalismo”, de “coibir atividades produtivas” e “controlar a liberdade de empreender” é um crime contra a região. “Não podemos aceitar isso. O melhor exemplo é o Amazonas, que tem mais de 90% de sua cobertura florestal intacta, por causa da ZFM. Essa foi a opção econômica que a população teve, que levou à concentração produtiva em Manaus, eliminando a pressão sobre os biomas do nosso Estado. É diferente do Pará e de Rondônia, por exemplo”, comparou. 

O executivo concorda que a economia verde é um bom caminho, contanto que não seja “excludente”. Ele questiona a ideia de usar a Amazônia como moeda de troca com os países desenvolvidos e defende que deve haver liberdade para atividades “tradicionais”, como pecuária, plantação de soja e mineração. Mas, ressalva que a exploração dos recursos deve ser feita de forma sustentável, organizada e com controle, acrescentando que a PanAmazônia acredita “piamente” na necessidade do equilíbrio entre desenvolvimento social, conservação ambiental e prosperidade econômica. 

“Obviamente que, no processo de exploração dos recursos naturais, algum dano ambiental ocorre. Você precisa criar mecanismos para recuperar essa perda e minimizá-la ao máximo. Acreditar que a região pode ser preservada como um jardim para a humanidade é uma besteira. Se os governos continuarem insistindo nessa ideia de proibir tudo, o desmatamento vai continuar, assim como o garimpo ilegal”, justificou.

O diretor-executivo da PanAmazônia chama a atenção para o fato de que mineração, plantação de soja e pecuária de corte foram apontadas como principais vilãs, durante a Cúpula da Amazônia. “Curiosamente elas são responsáveis justamente pelos três produtos que fazem o Brasil ter superavit em sua balança comercial. O ferro sai quase todo do Pará, enquanto a carne e a soja também saem, em grande parte, do Mato Grosso, Rondônia, Tocantins e Roraima. Provavelmente, há muitos interesses por trás disso”, questionou.

“Nenhum radicalismo”

Ruy Marcelo destaca que não viu no documento firmado na Cúpula da Amazônia “nenhum radicalismo” que aponte para a intenção de deixar a floresta “intocada e a mercê da miséria do povo”. Ressalta também que não vê “incompatibilidade absoluta” entre atividades como mineração e agropecuária com o objetivo de conservar os biomas amazônicos. 

“Com investimentos em pesquisa, inovação e tecnologia, várias possibilidades se abrem para exploração sustentável dos recursos da biodiversidade. O que não se tolera é a exploração nociva, predatória, destrutiva, precipitada, que avance sobre as matas e polua os rios, sem as necessárias salvaguardas socioambientais, sem a avaliação dos riscos e medidas para eliminar consequências negativas dos apelos de lucro imediato”, argumentou. 

O representante do MPC-AM diz ainda que a venda de serviços ambientais não é a única opção, e nem mesmo constitui a alternativa preferida dos povos da Amazônia. “Ao contrário: muitos se recusam a negociar seus territórios e modos de vida, entendendo que o pagamento não pode ser pretexto para os países desenvolvidos adiarem as providências para cessarem as emissões das indústrias fósseis”, observou.

Na análise do procurador de Contas, as limitações de financiamento e fuga de responsabilidades apontam para uma “inevitável litigância climática”, caso esses temas não avancem nos diálogos multilaterais na COP. “Os países amazônicos devem passar a cobrar mais sistematicamente, perante as cortes internacionais, a indenização devida pelas nações desenvolvidas. Esperamos que o governo federal priorize ainda mais a Amazônia, para assegurar a reversão dos ilícitos ambientais e da pobreza, com fomento ao desenvolvimento. Sem isso, de fato, a Cúpula da Amazônia não terá sido mais do que uma discussão estéril”, arrematou.

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio
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