Mariano Fernández Enguita considera a tecnologia como inimiga do trabalhador e a serviço do capital, pois ela continua sendo o resultado natural da ciência em que uma sociedade orientada pela busca do lucro empresarial. Seus efeitos, contudo, não são já positivos, mas negativos: ela destrói lugares de trabalho, condena os trabalhadores a empregos desqualificados, monótonos e rotineiros, induz ao consumo, desumaniza as relações sociais e, nos conduz ao holocausto universal.
Gaudêncio Frigotto, também preocupado com o problema da tecnologia, realizou inúmeros estudos sobre os efeitos da ciência aplicada sobre o trabalho docente. Para ele, é imprescindível compreender que a ciência e a tecnologia, como produtos humanos históricos, montados sob a lógica da exclusão, e que o avanço tecnológico, produziu sociedades como a brasileira. Uma minoria saturada e locupletada pelo lucro e a grande massa excluída e relegada ao subemprego e a miséria.
O trabalho do educador é subsumido pela máquina. O ensino deixa de depender da habilidade do educador, ou seja, de sua capacidade intelectual, uma vez que, no capitalismo, a utilização de tecnologias causa baixo índice de utilização da força de trabalho que elas propiciam colocam a sociedade em um dilema: ou produzir a uma jornada expressamente menor, ou a consolidação de uma população dividida entre trabalhadores e uma massa enorme de desempregados.
A divisão do trabalho docente impõe ao alfabetizador, cada vez mais, desqualificação, em razão da perda do controle sobre o processo produtivo. O trabalho do alfabetizador não se constitui mais como o articulador dos eixos epistemológicos (direção política do conhecimento) e das necessidades didático-pedagógicas, como e o que fazer escolar. O alfabetizador transmite um saber já produzido, e de cujo processo de produção deste saber não participou nem o professor nem o aluno.
A divisão trabalho está presente nas próprias leis educacionais. Por exemplo: no Estado Novo, a Lei Orgânica do Ensino Médio, de autoria do então Ministro Gustavo Capanema, expressa uma linguagem nitidamente elitista, ao definir que esse tipo de ensino se destinava a preparação das individualidades condutoras, isto é, das pessoas que deverão assumir as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atividades espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo.
Mesmo com a Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961, não alterou a inviabilidade da união trabalho manual e trabalho intelectual. Ela foi promulgada refletindo os conflitos decorrentes dessa separação. Mais uma vez as tentativas de romper a dicotomia profissional versus acadêmico fracassou. Barbara Freitag Rouanet assevera que a escola brasileira não só reproduz e reforça a estrutura de classes, como também perpetua as relações de trabalho que produziram essa estrutura, ou seja, a divisão do trabalho que separou o trabalho manual do trabalho intelectual.
Os autores do Parecer n° 45/72, que interpretam a referida lei 5.692/1971, pensavam ser possível anular a dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho manual em vigor por quatro séculos, o que redundou num fracasso, pois o citado instrumento jurídico refletiu as contradições da sociedade como um todo. Aí adveio o Parecer 76/75, elaborado por membros do Conselho Federal de Educação, reinterpretando a Lei n° 5.692/1971, no qual é estabelecida a diferença entre ensino secundário e ensino profissionalizante. O mencionado parecer aliviou as tensões e livrou o Estado de um desgaste político numa área sensível como essa.
Na Lei n° 7.044/1982, está explicitado também formação geral versus formação para o trabalho. Essa divisão do trabalho que acontece em qualquer atividade humana impõe limites a uma articulação mais criadora e rica entre o pensar e o agir, entre o conceber e o produzir, e essa articulação não é possível na sociedade capitalista por dois motivos: (a) os cursos que formam profissionais para o setor educacional estão mais voltados para a assimilação do que para a produção do conhecimento; (b) a escola capitalista é ela já produto da divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho manual.
Dizendo de outra maneira: a teoria tem sua própria lógica, restando aos teóricos pensar, teorizar; a prática consiste em executar, agir, fazer as coisas. É como nos ensina Paulo Freire: não deve haver dicotomia entre teoria e prática: a teoria indica caminhos e serve como guia da ação, e a prática confirma, desmente ou acrescenta elementos ao universo teórico num movimento de constante superação. Uma verdadeira educação se fundamenta na “unidade entre teoria e prática, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e que, por isso, incentiva o educando a pensar certo”.
Marilena de Souza Chauí mostra que a relação entre teoria e prática é uma relação simultânea uma vez que a teoria nega a prática enquanto prática imediata, isto é, nega a prática como um fato dado para revê-la em suas mediações e como práxis social, ou melhor, como atividade socialmente produzida e produtora da existência social… (secundum etiam est) a teoria nega a prática como comportamento e ação pré-estabelecidas, mostrando que se trata de processos históricos determinados pela ação dos homens que, depois passam a determinar suas ações.
Outro aspecto dessa simultaneidade entre teoria e prática é que a prática, por sua vez, nega a teoria como um saber separado e autônomo, como puro movimento de ideias se produzindo umas às outras na cabeça das teorias. Nega a teoria como um saber acabado que guiaria e comandaria de fora a ação dos homens, e negando a teoria enquanto saber separado do real, um saber que pretende governar esse real, a prática faz com que a teoria se descubra como conhecimento das condições da prática existente, de sua alienação e de sua possível transformação.
Não há dúvidas de que a teoria não mais preside a prática, e também a prática não significa mais a aplicação da teoria objetivada, como alguns profissionais da educação andam falando nos corredores das escolas públicas e privadas. O referido processo de mímeses que se dá cotidianamente é consequência direta da divisão técnica do trabalho porque eles sequer têm conhecimento de que toda teoria é elaborada a partir e em função da prática, e sua verdade se verifica em constante confronto com a prática, como bem deixou ensinado Adolfo Sánchez Vázquez (1915* 2011†).
Vê-se, pois, que a divisão técnica do trabalho não só dificulta uma articulação intencional entre a teoria e prática, mas também inviabiliza a organização do trabalho de maneira interdisciplinar, o que dificulta o processo de operacionalização das novas competências e habilidades para o exercício do magistério. Outro aspecto é que a própria estrutura curricular das escolas de Educação Superior termina levando à fragmentação dos cursos de formação de alfabetizadores, o que impossibilita aos mesmos uma visão da constelação que repousa sobre o processo pedagógico.
Neste aspecto da formação de alfabetizadores, pode-se dizer também que quando a fragmentação incorpora-se ao fazer pedagógico dos professores do Ensino Superior, o futuro alfabetizador é submetido a um processo de mímese dos aspectos relacionados à cultura predominante em seu processo de formação, mas isso é assunto da nossa próxima reflexão filosociológica. Não perca!
ARTIGO: Os efeitos da divisão técnica do trabalho sobre a formação e o trabalho do alfabetizador (Parte 3)
Redação
Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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