14 de outubro de 2024

Variações e presságios (01)

Bosco Jackmonth* 

Tal como nos dispusemos dar sequência à divulgação dos contos publicados no livro “Mundo Mundo Vasto Mundo”, da autoria do consagrado professor Carlos Gomes, ora captamos dali a narração “Presságios” compondo-se com as variações já dispostas nos artigos anteriores postos nesta mesma estação de escritos semanais. Desta feita o autor prende-se a uma narração bem subjetiva, dizendo querer preservar as suas mãos claras do gesto que pressente um dia, completamente loucas, poderão fazer em prol de sua afirmação. Entretanto, indaga: Mas como posso, se vislumbro estranhos slides de figuras grotescas projetando-se em seu tempo de ocaso prematuro?

As pálpebras, mãos carinhosas, tentam impedir-lhe a visão teratológica, ou assombrosa. Debalde é fechar os olhos. Procura, então, distrair-se. Dá com um quadro de Moacir pendente da parede, quando sente que aquelas criaturas de tinta, simples e felizes de sua miséria, se movimentam e falam, querem transmitir alguma mensagem – de revolta ou de resignação? – mas não as escuta. Quem sabe um jornal informando com estas estruturas iníquas que nos esmagam, não lhe restituísse a paz? Qual! Nada o resgata. Levanta-se, esquadrinha o ambiente, gira em torno de si mesmo inútil. Está insulado de tempo. Os slides se projetam, sucedendo-se rapidamente, qualquer que seja a direção que busque para a fuga. Background invariável: estranha criatura mítica. Será uma harpia? Pensa em declamar um poema. Não afugentam os crentes as entidades malignas com uma simples oração? Mas somente Campos de Figueiredo se repetir: Trago um cadáver podre às minhas costas.

Então, procura lembrar certos olhos que hoje não sabe se eram verdes ou azuis, mas afirma que iguais nunca mais teve. Logo, procura recordar as histórias que “no tempo de eu menino Rosa vinha me contar”. Sustenta querer recompor cenários perdidos em distâncias gastas, uma rua pobre, um certo bairro triste, havia muitos lugares onde a gente podia se esconder nas noites de trinta-e-um, alerta! E também sítios parece que construídos de propósito para   encenar brincadeiras alienadas, mãos-ao-alto, o soldado e o gatuno, e não sabia que tudo aquilo vinha de fora para nos adaptar. 

Diz conseguir recordar o cajueiro. Seus frutos carnudos e sumarentos, mal adolesciam, eram possuídos por quem os vislumbrasse. Havia um marco de posse, um saco de papel em que eram envolvidos para mais rápido amadurecerem. Ningúem ousava desobedecer aquela norma consuetudinária, autêntica aplicação do uti possidentis, que mais tarde iria encontrar como princípio jurídico nos compêndios de História. E a velha mangueira, saci de perna curta e grossa, em seus galhos potentes a gente meninos do mesmo sangue onde armava-se o trapézio (balanço por outros chamado) para recepcionar a garotada … Que é feito dela? Será que ainda existe? Onde? Em que parte dele ficou tudo isso e por que sem forças bastantes para superar esses slides de seres atrofiados que se projetam diante de seus olhos em background mitológico? 

Pressente impossível o esforço, vão. Sempre o estranho universo de corpos defectivos, no fundo fantasmagórico a herpia (agora já está tão nítido que se pode asseverar que o é, realmente), fazendo trejeitos, como se zombasse das próprias monstruosidades. Um tapa de pálpebras nos olhos, eis que se dissipam as projeções horrendas. Mas é só um instante, uma fração de tempo infinitensimal. Logo as visões estão de volta, e cada vez mais agressivas, angustiando-o, dando-lhe medo de suas mãos mutiladas, olhe-se a harpia! enxuguem a harpia! Há uma vontade de tirar a máscara…  Tirar a máscara! 

Quer-se esquecido de tudo. Amanhã, quem sabe, não sorrirá outra vez, quem sabe não encontrará aqueles olhos que nunca concluiu se eram verdes ou azuis, quem sabe principalmente aqueles olhos não lhe dirão te amo na mais expressiva de todas as linguagens? Quem sabe o cajueiro, a mangueira não voltarão a lhe florir? Quem sabe … Sorrisos tristes de quem se conhece finito. Assim… (Continua).

Advogado (OAB/AM 436) Ex-ger.BEA.Ex-func.B.Br.Man/Rio, aqui Fisc.Bcos.com.p/B.C.junto ags.bcs.locais por cta.trans.moeda estr.face ZF. Cursou Dir.Contab.Com.Soc.Lec.Hist.Gral. 

Bosco Jackmonth

* É advogado de empresas (OAB/AM 436). Contato: [email protected]

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