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 A caixa d’água e eu

Carlos Silva

Quando eu era jovem, a minha arrogância me deixou em apuros, algumas vezes. Há várias décadas, eu prestava serviço em uma empresa que realizava, entre outras tarefas, atividades de construção e demolição. Na época eu havia consolidado um bom nome na firma e era julgado como “o cara”. Na época, a gíria era outra, mas a essência é a mesma. Enfim!  Em uma linda manhã, o chefe me chama para mais uma missão rotineira: destruir algo em condições de alto risco! Ele apenas me mostrou um retrato do local e do objetivo. Olhei e disse: “deixa comigo, chefe”. Que idiota eu era! Fui uma única vez conhecer o local e lá mesmo fiz os cálculos devidos e necessários, mas, de acordo com a minha visão, é claro. Evidentemente que como “nada é tão ruim que não possa piorar” fui surpreendido com o prazo da demolição: dali a dois dias! Na verdade, era para demolir uma caixa d’água centenária. Simples. Mas, não era bem assim. A dita cuja era construída com material altamente resistente, vergalhões astronômicos e tudo o mais. Além disso, era em área habitada e ao lado de uma das rodovias mais importantes do país, e com o tráfego intenso vinte e quatro horas. Mas, me preparei, do meu jeito, e o meu chefe disse que o domingo foi escolhido por ter movimento reduzido na área, e que seria algo discreto, sem plateia, para não incomodar o cotidiano dos  moradores locais. Até aí, tudo bem, pensei. Ocorre que meu chefe avisou apenas a uma autoridade, o que era correto, pois era, de fato, o maior interessado no projeto: o Prefeito da cidade ! E essa autoridade se comprometeu com o sigilo da operação. Mas, como todo político gosta de cenas e cenas, na manhã daquele domingo, quando eu e a equipe, que, na verdade éramos em dois especialistas e o motorista, chegamos ao local, tinha banda de música, parque de diversões, palanque, gente aos borbotões, vendedores de cachorro-quente e algodão doce…enfim, estava uma verdadeira festa, padrão hollywoodiana. Montei meu “circo” e aguardei as ordens para detonar a caixa d’água. Tudo calculado e tudo pronto, com toda a segurança possível ! Assim que o Governador do Estado chegou, pois havia sido convidado, com todos os secretários, me deram o sinal para iniciar o fogo. Ocorre que, de repente, chega até mim, um Policial Rodoviário Federal e me pergunta se eu precisada de alguma coisa daquela Instituição, que para mim, como todas as forças policiais, são sagradas ! Eu pedi a ele: “feche a rodovia, nos dois sentidos, um quilômetro antes e um quilômetro depois”. Duvidando da minha sanidade mental, o Policial me perguntou, incrédulo: “o senhor tem certeza?”. Respondi:  “tenho, pois tem muitas vidas perto”. Bem, adiantando o tema, na hora H, acionei os dispositivos e foi uma linda explosão ! Mas, as surpresas da vida se manifestaram de uma única vez, naquele momento: “a caixa d’água não caiu!”. Tive vontade de me enfiar em um buraco sem fundo. De fato, conheci o que é vergonha mesmo. Aquilo não foi um mico e sim uma manada de gorilas monstruosos, tipo King Kong! Mas, depois de quatro horas, quando todas as autoridades se afastaram e a maioria das pessoas voltaram às suas vidas, me chega o Policial Rodoviário Federal e me solicita autorização para abrir a rodovia. Eu havia me esquecido desse “detalhe”! Deixei uma das rodovias mais utilizadas das Américas por cinco horas, fechada ! Mas, a vida seguiu ! O discurso do meu chefe foi que era um treino-teste e que no próximo domingo a caixa d´água viria ao chão. E assim foi. Na verdade, foi uma implosão, que eu não programei, nem sabia fazer, mas aconteceu. Tudo isso me ensinou muitas coisas e a arrogância foi o maior defeito que enterrei junto às sobras daquela caixa d’água. Hoje, recordei disso e dei boas risadas. Hoje, sim, mas naquele dia, foi algo “suicidável” ! Passou ! E a vida seguiu! Com cervejas ! Geladas!

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