São muitos os mal-entendidos, as especulações, as mentiras, as mistificações, os charlatanismos, as fés cegas, os falsos profetas, os véus que cobrem…
O leitor que está familiarizado com o funcionamento do caleidoscópio reconhece que as imagens que observa não se repetem e estão sempre em busca de um complemento por parte do observador. É possível ver mais do que cores, formas e movimentos. O recurso à imaginação é o primeiro apelo do caleidoscópio, porém não se deve esquivar da realidade. As próximas linhas se dedicam a juntar as peças e dar-lhes coesão.
O caleidoscópio inspira a entender a realidade desvelada da fumaça que nos obriga a interpretações superficiais, precipitadas e institucionalizadas. Somam-se visões distintas para construir um edifício maior em vez de pulverizá-las. A medicina chinesa era discriminada até pouco tempo atrás pela alopática, enquanto o mito do céu e do inferno como lugares alheios à Terra já não convence nem os bebês.
O primeiro olhar é o de filtrar visões idílicas que nos estimulam a estar “pensando na vida” ou “vivendo e aprendendo” como se houvesse algum enunciador destituído de paixões, preconceitos e vícios, entre outras abstrações da experiência que exercem uma fornicação mental nos receptores das mensagens devido ao grau excessivo de pureza aparente. Não é só isso.
Um entendimento mais realista das imagens de caleidoscópio põe-nos a pensar na vida de provas e expiações de que ninguém escapa, nas frustrações carnais e sentimentais dos padres que são coagidos a viver como anjos telúricos, na imbricação de experiências boas e ruins quando a previsibilidade não é nosso apanágio, e nas vicissitudes de existências ainda pouco compreendidas.
Enquanto o caleidoscópio empurra as imagens de um lado a outro e muda as cores, seguimos vivendo experiências que se alternam entre o agradável e o abominável sem que possamos saber qual é a próxima que nos toca. O caleidoscópio tem que ser bem interpretado para que, da mesma situação, saquemos a parte boa em grau maior que a ruim. Escolhamos bem os grãos. Depende de como a vejamos através deste instrumento.
Pus-me perplexo diante da tentativa de esboçar, em poucos parágrafos, uma maneira distinta de olhar pelo caleidoscópio, enquanto centenas de páginas são dedicadas por outros autores a melhorar a auto-estima do ser humano e dar-lhe um sentido à vida, e bíblias e doutrinas de conteúdo duvidoso reúnem multidões há séculos em torno da curiosidade e do desconhecimento.
Quem é que disse que há regras para a experiência quando os erros do passado perpetuam-se no arroubo da ignorância? Na fuga temporária de uma realidade dura e mistificada, valem as imagens caleidoscópicas de um mundo que padece de uma mutação necessária para a perpetuação espiritual da humanidade. É só olhar e querer enxergar. Te empresto o caleidoscópio?
Caleidoscópio
Redação
Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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