Numa ponta do triângulo, um advogado bem formado. Na outra, seu amigo de infância. Entre os dois, uma mulher de olhos de ressaca, casada com o primeiro e de estreito relacionamento com o segundo. No desenrolar da trama, um filho. Seria ele legítimo ou fruto de traição? Quem acompanha a vida desses três pode colecionar argumentos para colocar qualquer um deles Paredão. O debate entre defesa e acusação poderia ser tão acalorado quanto as últimas eliminatórias do Big Brother Brasil. O problema, entretanto, está no fato de que apenas um em cada quatro brasileiros pode compreender plenamente “Dom Casmurro”, a obra-prima de Machado de Assis, o maior escritor brasileiro, que morria há cem anos. A falta do domínio da língua portuguesa não afeta somente o entretenimento da população – que deixa de contar com intrigas e toda sorte de histórias da literatura universal –, mas também impede a aquisição de cultura geral e desqualifica milhões de brasileiros para o mercado de trabalho. Ora, a matemática é simples: quanto menor o grau de especialização dos trabalhadores, menor é a remuneração. A erradicação da chaga do analfabetismo que – faça-se justiça – começou a tomar corpo com iniciativas, como o programa Alfabetização Solidária, criado há onze anos por Ruth Cardoso, a primeira homenageada com o título de Professora Emérita do CIEE.
Nessa mesma época, o CIEE decidiu ampliar suas ações sociais, paralelamente ao encaminhamento de jovens estudantes para estágio. A organização passou a oferecer um programa gratuito de alfabetização e suplência, em parceria com empresas que privilegiam a educação como alvo de seus investimentos sociais. Como resultado, até hoje 50 mil adultos deixaram as trevas do analfabetismo, conquistaram maior cidadania e habilitaram-se a progredir no trabalho. Além de oferecer o espaço físico para a sala de aula, as empresas parceiras, como o Carrefour e o Metrô, pagam a bolsa-auxílio para o estagiário que, treinado e supervisionado por equipes de pedagogos do CIEE, ministra as aulas. A iniciativa prima pela criatividade em unir a capacitação de um futuro profissional à educação, com conteúdo que pode chegar até o final do ensino médio e é ministrado gratuitamente a funcionários ou membros das comunidades vizinhas.
No esforço do CIEE contra a exclusão educacional, outro passo foi dado este ano. Em março, o CIEE inaugurou 16 salas de alfabetização, mantidas pela própria organização no seu Prédio-Escola, localizado no centro histórico da capital paulista (Rua Genebra, 65/67) e com capacidade para receber 390 alunos, em cursos noturnos.
Tais iniciativas mostram-se cada vez mais necessárias até mesmo porque programas assistencialistas do governo federal aparentemente têm alimentado uma máquina de exclusão social. A evasão escolar cresceu nos 200 municípios com mais atendidos pelo Bolsa-Família, entre 2002 e 2005. Não dá mais para assistir, de braços cruzados, a esse triste espetáculo, como se estivéssemos diante de um reality show – trágico, mas distante. Não podemos continuar confortáveis e felizes por podermos mergulhar na vida de Bentinho, Escobar e Capitu, enquanto milhões de concidadãos sequer conseguem traçar o próprio nome.
LUIZ GONZAGA BERTELLI é presidente executivo do Centro de Integração Empresa Escola.