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O homem é um ser em construção

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A polêmica do momento é a ‘cura gay’. Mas ao longo de sua existência o homem sempre se fechou em grupos, discriminando outros os quais considerava inferiores. Assim surgiram os pobres, escravos, raças inferiores, feios, gordos, gays, negros e tantos outros, de uma forma ou de outra, sempre colocados como párias no planeta. Por que o homem gosta de agir dessa forma? Será que isso está mudando ou o preconceito continua o mesmo? Para tentar explicar um pouco essa situação, o Jornal do Commercio ouviu, de São Paulo, Liliane Rocha, diretoraexecutiva da Gestão Kairós, consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade, que lançou o livro ‘Como ser um líder inclusivo’.

Jornal do Commercio – Por que você resolveu escrever ‘Como ser um líder inclusivo’?
Liliane Rocha – Como milhares de brasileiros nasci em uma situação de extrema pobreza, mas com dedicação, estudo e oportunidades, pude permear diversas camadas e classes sociais. Ao ingressar na primeira grande empresa que trabalhei em 2005, uma multinacional do segmento de eletrônicos, tive a oportunidade de conhecer iniciativas de diversidade que buscavam já naquela época tornar a empresa mais equânime. Esse sem dúvida foi um estímulo positivo para que eu atentasse para o tema. Por outro lado, houve também um estímulo de dor, que se deu ao longo da minha vida ao notar uma ausência de referências de negros, desde a minha infância. Não lembro de ter tido professores negros na escola nem na faculdade.

Quando ingressei em grandes empresas passei a notar que não haveriam ou seriam poucas as referências de mulheres e negros na liderança, que não haviam pessoas da comunidade LGBT+ assumidos, ou seja, notei que o que eu já vivenciava estruturalmente na sociedade brasileira, nas grandes empresas era (e é) ainda mais crítico. Por isso, depois de 13 anos trabalhando em grandes empresas, resolvi escrever o livro para compartilhar meus estudos, dados e indicadores, aglutinados ao longo dos anos.

JC – Por que atualmente se fala tanto em inclusão? E antes, como viviam os ‘não incluídos’?
LR – Antes os excluídos viviam como vivem hoje. Dentro da sociedade, contudo sendo privados de seus direitos mais básicos. Isto não mudou. O que mudou é que com o advento da rede, a informação corre de forma mais veloz, grupos se aglutinam em torno de uma identidade e interesse comum, e se torna muito mais fácil dar luz a determinadas questões, gerar movimentos coletivos e denunciar realidades que antes permaneciam ocultas para a população em geral. Hoje é muito fácil ter acesso e disseminar dados como o fato de que no Brasil a cada 11 minutos uma mulher sofre violência, a cada 28 horas um LGBT é morto, a cada 23 minutos um negro é assassinado, e ainda mostrar o impacto dessa realidade.

JC – O fato de se criar tantas categorias para serem incluídas, não torna o mundo multifacetado? Isso não é ruim?
LR: Ao longo da história da humanidade, e especialmente do Brasil que é meu campo de estudo, fomos criando diferenciais entre as pessoas para justificar que alguns tivessem mais acessos a direitos do que outros. Quando vemos por exemplo que 60% do contingente que sai da graduação são mulheres, no entanto que elas são somente 30% do quadro funcional das empresas e 4,7% no quadro executivo, que negros são 5,3% do quadro de executivos, PCDs (Pessoas com Deficiência) 0,6% do quadro de executivos mesmo com a legislação de 1991, que as empresas continuam deixando de contratar ou promover a comunidade LGBT+, vemos que essas categorias, e outras, já estavam criadas.
O que estamos fazendo hoje é dar luz a estas questões, trazendo-as para o centro do debate, olhando de forma coordenada e estratégica para que possamos de fato, ter um país no qual todos possam ter igualdade de direitos e possibilidades.

JC – O que acha da ‘cura gay’? Aí já lançaram, nas redes sociais, a ‘cura gospel’, para quem é evangélico?
LR – Falar sobre cura gay, é um retrocesso, uma forma de voltar a patologizar a homossexualidade, quando a organização mundial da saúde desde 1990 retirou a homossexualidade da lista internacional de doenças. Percebemos que a liminar do juiz Waldemar Carvalho não faz o menor sentido quando invertemos esse processo e pensamos, por exemplo, em uma ‘cura hetero’. Não há como curar uma orientação sexual, seja ela qual for, sabendo que esta é uma livre expressão da sexualidade de cada indivíduo.
A diversidade religiosa também é um dos pilares da Diversidade e Inclusão, e fazer qualquer tipo de afirmação que nivela todas as pessoas de uma determinada religião, como sendo preconceituosas ou homofóbicas também é uma forma de preconceito. Nem todo evangélico é homofóbico. O que temos que atentar é para o fato de um pequeno grupo de pessoas mal intencionadas, use de preceitos religiosos como forma de alçar e se perpetuar no poder, disseminando ódio contra a comunidade LGBT+.

JC – Como você vê a diversidade dentro de uma empresa? Você acha que a pregam, mas não a praticam?
LR: Este ano lancei o conceito de ‘diversitywashing’ para chamar a atenção ao fato de que em um mundo midiático e pautado pelas redes sociais e comunicação é tentador para uma empresa, que escorregue ao querer se posicionar como diversa, a fim de conseguir novos consumidores, sem que pratique diversidade da porta para dentro. O termo ‘diversitywashing’ em analogia ao termo “greenwashing” da Sustentabilidade, que significa ‘lavagem verde’ referindo-se a empresas que se apropriam de atributos de sustentabilidade sem que efetivamente preservem o meio ambiente.
Assim, algumas empresas que praticam o ‘diversitywashing’, igualmente se associam a atributos de diversidade por meio da publicidade e propaganda, sem que tenham em seu quadro de funcionários pessoas diversas em níveis gerais e muito menos em posição de liderança. É uma forma de expandir o público que consome a sua marca, sem enxergar essa parcela da população como apta a participar da construção da sua empresa.

Ressalto que algumas poucas empresas têm feito um trabalho de destaque em Diversidade e Inclusão da porta pra dentro, trabalhando contratação, retenção e desenvolvimento de diversos entre seus funcionários. No entanto, grande parte das empresas que hoje são vistas como diversas pela população, somente aprenderam uma forma mais inteligente de vender mais. O segmento de bebidas é um exemplo a ser mencionado entre as empresas que avançaram muito em comunicação, sem ter avançado simultaneamente da porta para dentro.

JC – Você imagina que algum dia as pessoas se aceitarão umas às outras ou o prazer de discriminar é inerente ao ser humano?
LR – Esse dilema é milenar não é mesmo? O ‘homem nasce bom e é corrompido pela sociedade’, como diria Rousseau, ou o ‘homem é o lobo do homem’, como diria Hobbes. Já estudei muito esses dois pensadores, bem como diversas e distintas filosofias. Acredito que o homem é um ser em construção, extremamente corrompido, mas em progresso constante.

Por isso, certamente acredito que a humanidade caminha, ainda que a passos lentos, para um novo momento no qual conseguiremos coexistir em uma sociedade com justiça social para todos. Contudo, ressalto, esse novo momento não cairá do céu, dependerá de um esforço árduo e contínuo de cada um de nós, mudando comportamentos e atitudes ao longo do nosso dia a dia individualmente e de forma coordenada e coletiva, buscando construir uma agenda estratégica no governo e nas empresas que assegurem este avanço.

Sobre a autora
Liliane é CEO da Gestão Kairós -consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade. Mestranda em Políticas Públicas pela FGV, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, MBA em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching, graduada em Relações Públicas na Cásper Líbero.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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