Os agricultores do interior do Estado representam maior parte da demanda dos estabelecimentos comerciais da área do entorno do porto da capital, no Centro. Materiais expostos ao chão, estrutura simples e ambiente sem refrigeração são características mantidas, há décadas, para atender ao perfil e chamar a atenção do consumidor. Segundo os empresários, entre as fortes características do homem do campo está a garantia do pagamento de qualquer compra em espécie, ou seja, à vista, o que faz com que as empresas optem pela preservação das formas tradicionais de comercialização sem o uso de máquinas eletrônicas para parcelamento por meio de cartão de crédito.
O proprietário da Casa Manarte, José Pereira Manarte, 64, integra a terceira geração da família frente a administração da empresa que há 96 anos comercializa produtos na rua Barão de São Domingos, na capital. Ele afirma que desde a fundação da empresa o principal consumidor dos produtos vendidos é o interiorano, que segundo Manarte, desembarca na área portuária, vende seus produtos agrícolas e logo depois vai ao comércio para comprar o item necessário para continuar suas atividades no campo.
Manarte explica que até hoje não optou pelo uso das máquinas eletrônicas para o parcelamento em cartão de crédito devido à elevação dos encargos decorrentes das taxas para manutenção dos equipamentos, valor que obrigatoriamente deverá ser repassado ao produto e ao consumidor final.
"Não usamos o cartão de crédito porque encarece o produto. Ao aderir à máquina para registrar o cartão será necessário repassar ao valor da mercadoria os juros do cartão, a manutenção que deve ser paga ao banco, etc. E tudo isso encarece", disse. "O cliente vem com dinheiro para comprar e paga menos porque o preço da mercadoria é livre de incidência de outras taxas. Por atendimento aos requisitos Estaduais utilizamos o sistema de emissão do cupom fiscal eletrônico. É o que usamos de informatização", completou.
De acordo com a administradora da empresa São Domingos Distribuidora, Vivian Corrêa, 54, o povo ribeirinho é o principal consumidor dos produtos comercializados na área próxima ao porto de Manaus. Porém, ela conta que nos últimos anos o interiorano apresentou mudanças no comportamento porque deixou de comprar estivas, comércio que praticamente predominava na região do entorno do porto. Segundo a administradora, a alteração ocorreu porque empresas atacadistas expandiram os atendimentos ao interior do Estado, dispensando a vinda do trabalhador para a capital em busca dos produtos.
Após 40 anos de atuação na venda de estivas, a empresa ao registrar baixos índices de vendas e precisar demitir dois funcionários, decidiu investir em um novo ramo comercial que é de materiais para agricultores e manutenção de embarcações. Há sete meses a empresa São Domingos comercializa produtos do novo segmento e já registra bons resultados com o aumento de 30% no faturamento, em relação ao primeiro semestre de 2016.
Vivian explica que a empresa precisa estudar o mercado e se adequar conforme as mudanças apresentadas pelo setor para conseguir manter os negócios. Ela afirma que maior parte do consumidor dos itens comercializados pela distribuidora é residente no interior do Estado e mantém alguma prática agrícola.
"Fizemos uma nova clientela e boa parte dela vem dos municípios do interior. Verificamos os materiais mais demandados pelo produtor agrícola, pelos navegantes e apostamos no novo segmento, o que tem dado certo. Dispensamos o uso de máquinas eletrônicas para cartão porque os produtos são de baixo valor e isso é somado ao fato de o cliente chegar com dinheiro para pagar à vista. Eles não são acostumados a essas tecnologias", comentou.
Segundo a administradora, a característica do local também precisa ser mantida conforme o perfil do cliente, que no caso é o homem de interior que é acostumado com a simplicidade. Ela afirma que até pensou em instalar um aparelho de ar-condicionado no local, mas concluiu que a mudança afastaria o consumidor que poderia pensar que no local os preços dos produtos seriam mais caros.
"Eles gostam de tudo simples, de ver os produtos no chão. O consumidor olha e se sente bem porque sabe que aqui o produto é barato. Mas, se a loja tiver portas de vidro e for refrigerada eles nem entram por imaginar que os produtos são caros. Então, mantivemos o local da mesma forma sem muitas mudanças. Temos fregueses que têm 89 anos e que vem do interior para comprar o que precisam aqui na loja e pagam à vista", disse.
Tradição versus custos
Na avaliação do antropólogo e cientista político, Ademir Ramos, os comerciantes que optam por manter o atendimento ou a forma de comercialização tradicional, onde o consumidor paga em dinheiro no ato da compra, mostram resistência à modernização do uso de equipamentos eletrônicos na tentativa de evitar maiores custos. Ele afirma que em meio à crise econômica, manter o atendimento tradicional é uma tentativa de garantir o mercado.
"Os comerciantes preferem o que é imediato e a decisão de não aderir à tecnologia é objetiva, uma forma de resistência. Se usar o sistema de cartão de crédito o estabelecimento precisa pagar taxas, o que encarece os custos. É uma forma de sobrevivência alternativa ao digital", analisou.
O filósofo, Nelson Noronha, concorda que o acesso aos recursos tecnológicos podem elevar os custos da empresa, além de gerarem processos burocráticos, daí o motivo para o adiamento à modernização. Ele ainda ressalta que o avanço tecnológico não conseguiu extinguir a tecnologia chamada como 'regatão', utilizada no passado.
"Ter registro com ferramentas eletrônicas eleva os custos do comércio, cria burocracia e gera desconfiança. A tecnologia do regatão sobrevive. São fenômenos muito comuns que a tecnologia mais recente não consegue extinguir de todo. Um exemplo, é que hoje com certeza ainda existem pessoas que enviam cartas pelo correio, outras preferem mais trajetos de barcos do que o avião, entre outros", explicou.