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Criação de uma “Selva do Silício” preocupa PIM

A proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de conceder 20 anos de renúncia fiscal para atrair gigantes multinacionais da tecnologia para a Amazônia, criando uma “Selva do Silício”, em detrimento da ZFM, deixou as lideranças do PIM novamente em modo de alerta. A ideia foi apresentada durante videoconferência para um dos painéis da COP (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) 26, na qual o ministro falou sobre Programa do Crescimento Verde lançado recentemente pelo governo federal.

O ministro focou o discurso na necessidade de trocar “uma produção industrial obsoleta à base de incentivo”, que geraria “cinturões de pobreza em torno de uma cidade”, por um “polo de economia verde”. O argumento foi semelhante ao usado para a sustentar o finado “Plano Dubai”, sendo que Guedes voltou a citar o modelo da cidade de Las Vegas como ideal a ser perseguido para tornar Manaus “a capital mundial da economia verde e digital”.

“Você vê a vulnerabilidade de uma população em volta de atividades econômicas que já são do passado, ficando obsoletas e que, inclusive, geoindustrialmente, estão mal posicionadas à base de incentivos. Temos que trocar a vocação para a vantagem comparativa da região. Imagina se o Brasil dá agora 20 anos de isenção em impostos para empresas como a Tesla, Google, Amazon”, exclamou, em matéria do Valor Econômico.

A mesma matéria informa que Paulo Guedes também aproveitou sua fala para culpar o modelo da indústria incentivada de Manaus pela proliferação rápida da covid-19, nas duas ondas da pandemia. “Vocês viram, durante a crise da pandemia, como Manaus foi uma vítima da doença, como se espalhou rapidamente, exatamente pela aglomeração em lugares onde não havia saneamento básico, água corrente”, espetou.

Oportunismo e desmatamento

Políticos da bancada amazonense no Congresso se dividiram sobre a questão. Em textos postados em suas redes sociais, o primeiro vice-presidente da Câmara, deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM) apontou que as medidas do Ministério da Economia estariam indo em sentido contrário à proposta da “Selva de Silício”, rascunhada pelo ministro.

“Guedes não criou uma linha de crédito e nem criou um incentivo para a bioeconomia. Não investiu um real em pesquisa aplicada na área. A ZFM deve ser protegida e os investimentos em bioeconomia não podem ser só retórica oportunista”, desabafou. “Fora que mudou a regulamentação dos recursos de P&D da Lei de Informática, dificultando o acesso dos projetos na área de bioeconomia a essa verba”, acrescentou.

Já o vice-líder do governo federal na Câmara, deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que considera a “Selva de Silício” “extremamente” viável. Sem entrar em detalhes, ressaltou que o Estado tem “trabalhado muito” na bioeconomia e em vetores tecnológicos para capitalizar a floresta em pé, e argumenta que levar aos trabalhadores as opções de industrialização e da tecnologia, “evita que a população vá para o agronegócio e desmate a floresta”. 

“O Amazonas tem de ser a ‘Selva do Silício’ mesmo. Essa é a ideia que temos de trabalhar, para gerar novos empregos no Estado e garantir que a população vá para a área tecnológica, que é o potencial que já trabalhamos há décadas, e com muito sucesso. Precisamos, agora, nos atualizar e entrar na indústria 4.0. Manaus está preparada para isso e vai ser um grande exemplo comparável ao Vale do Silício”, asseverou.

“Antagonismo e desconhecimento”

A reação das lideranças do PIM foi mais homogênea. Para o presidente do Cieam, Wilson Périco, a fala ministerial sugere desconhecimento do Polo. O dirigente lembra que o Brasil não conta com grandes empresas nacionais, mas sim com grandes multinacionais, que replicam em âmbito local suas tecnologias de ponta, em termos de produto e manufatura.

“Alegar que nossa indústria é obsoleta é dizer que é obsoleta no mundo. Alguém vai continuar fazendo, e é isso que gera emprego para mais de 500 mil pessoas no Estado, e para milhares de pessoas fora daqui. Então, discordo do ministro. Quanto à questão do gasto, o Amazonas é um dos poucos oito Estados superavitários do país, e que devolvem à União, em arrecadação de tributos, valores acima do repasse compulsório que recebem. O ministro mostra desconhecer esse dado, que é da própria Receita Federal”, lamentou.

O dirigente salienta que “ninguém é contra” atrair novas empresas de tecnologia para o Amazonas, e diz que oferecer incentivos fiscais para tanto “é uma boa ideia”, desde que se substitui “aquilo que deu e está dando certo”. “O PIM é o que sustenta o Amazonas e que contribuiu para a preservação de seu meio ambiente, além de colaborar para a economia do país, agregando valor aos produtos comercializados internamente, ao invés de puramente importá-los. E é o que dá ao Estado a posição de um dos maiores contribuintes da União. Para cada R$ 1 de estímulo, ela recebe R$ 1,30, podendo chegar a R$ 2”, explanou.

Wilson Périco diz discordar também do que o ministro falou sobre a covid em Manaus, mas observa que é preciso entender o motivo da afirmação. “Isso não se deu por conta da indústria. Muito pelo contrário: o setor contribuiu e muito. O nível de contaminação dentro das fábricas foi muito, muito baixo. As pessoas se contaminaram, sim, em seus ambientes sociais e seios familiares. Mas, não dentro da indústria, que teve um protocolo bem rígido, que continua sendo seguido, como trabalho de prevenção. O ministro se equivoca ao fazer tais afirmações. As únicas coisas que podem tê-lo levado a isso são o antagonismo e o desconhecimento: ele não gosta daqui e nunca veio para conhecer de verdade”, avaliou.  

“Campo das ideias”

Já o presidente da Eletros (Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos), José Jorge do Nascimento Junior, ressaltou que o ministro não deu detalhes da ideia e que, independentemente de qualquer coisa, toda proposta para o desenvolvimento econômico da Amazônia deve respeitar os investimentos e empregos locais já existentes, além de levar em conta a sociedade civil e as regras do jogo. 

“Tudo tem de ser construído a várias mãos, com protagonismo dos atores governamentais, acadêmicos, políticos e produtivos locais. O que vier sem o devido diálogo, sem respeito ao que temos hoje, impondo insegurança jurídica e ignorando a preservação ambiental, deve ser visto como extremamente temerário. A ZFM garante emprego, renda, arrecadação e preservação ambiental exemplares, e isso não pode ser desconstruído”, frisou.

Indagado sobre suas expectativas sobre a possibilidade de o Ministério da Economia passar das palavras a ação neste caso, o dirigente avaliou que tudo “ainda está no campo das ideias”. Lembra ainda que, o setor produtivo local não foi procurado pelo governo federal para tratar de mudanças nessa envergadura, ou de projetos assemelhados. 

“Também não sabemos se o governo do Amazonas ou a prefeitura de Manaus participaram de algum encontro para tratar disso. Não vimos nenhuma atuação no Congresso, visando estabelecer uma política pública de incentivos fiscais, como relatado. Enfim, por isso, me parece que tudo está ainda no campo das ideias. Ter uma política de desenvolvimento econômico sem a devida discussão e construção com várias agentes da sociedade me parece algo que o governo federal jamais faria”, finalizou.

Foto/Destaque: Divulgação

Marco Dassori

É repórter do Jornal do Commercio
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