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Thiago de Mello, a jornada do herói, da floresta para o mundo

E o poeta Thiago de Mello partiu, depois de viver longos 95 anos. Dia triste e chuvoso, talvez inspirador para o poeta. Morreu de causas naturais, porque cansou de viver.

Amadeu Thiago de Mello nasceu na comunidade de Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha, localizado às margens do paraná do Ramos, um braço do baixo rio Amazonas. O menino veio ao mundo no dia 30 de março de 1926. Ainda criança, em 1931, chegou a Manaus trazido pela família. Na bucólica capital amazonense estudou no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e no Ginásio Pedro II (atual Colégio Amazonense D. Pedro II). Com 13 anos se mudou para o Rio de Janeiro e, em 1946, ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, mas desistiu de ser médico preferindo trilhar pelos caminhos da poesia.

Thiago de Mello lançou primeiro livro aos 25 anos/Crédito: Divulgação

Em 1951, então com 25 anos, Thiago de Mello lançou ‘Silêncio e palavra’, seu primeiro livro, logo saudado com entusiasmo pela crítica. Ensaístas como Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux e Gilberto Freire, entre outros nomes respeitados, fizeram elogios ao trabalho do rapaz. No ano seguinte, Thiago lançou seu segundo livro de poesias, ‘Narciso cego’. Seu terceiro livro, ‘A lenda da rosa’, só viria quatro anos depois, em 1956.

Nesse período, Thiago de Mello já havia se tornado amigo dos grandes escritores brasileiros daquela época, em especial do paraibano José Lins do Rego, a quem chamava de Zé Lins. Ele gostava de contar como cuidara do escritor, com muito zelo e cuidado, quando este, muito doente, estava prestes a morrer, em 1957, com apenas 56 anos. José Lins já era um escritor consagrado, com mais de dez livros publicados.

Somente nove anos depois, o poeta lançou o livro que o colocaria definitivamente no panteão dos nomes mais respeitados da poesia nacional: ‘Os estatutos do homem’, pequenos poemas escritos em 14 artigos.

“A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem”.

Thiago de Mello e Pablo Neruda/Crédito: Divulgação

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Retorno a Manaus

‘Os estatutos do homem’ foi escrito em Santiago do Chile, em abril de 1964, e publicado no ano seguinte no livro ‘Faz escuro, mas eu canto: porque a manhã vai chegar’. No Chile, onde viveu de 1961 a 1964, como adido cultural, Thiago se tornou grande amigo do poeta Pablo Neruda. Neruda, membro do Partido Comunista chileno, morreu misteriosamente, em 1973, aos 69 anos, poucos dias depois de o general Augusto Pinochet ‘tomar’ o poder no país.

Enquanto isso, pelo fato de ter muitos amigos intelectuais comunistas, e suas poesias passarem a ter forte conteúdo político, desde 1964 Thiago de Mello estava na mira dos militares brasileiros, que haviam chegado ao poder naquele ano, por isso, em 1966, ele foi viver exilado, no Chile. Também passou pela Argentina, Portugal, França e Alemanha e só voltou ao Brasil em 1985, quando a democracia foi efetivada no país. Também resolveu viver novamente em Manaus.

Vestes brancas passaram a ser características do poeta/Crédito: Divulgação

Contador de histórias

Em 1975, pelo livro ‘Poesia comprometida com a minha e a tua vida’, Thiago de Mello recebeu o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos de Arte, o que veio reforçar internacionalmente a sua luta pelos Direitos Humanos.

“Foi hoje e foi aqui, no chão da pátria,

onde o voto, secreto como o beijo

no começo do amor, e universal

como o pássaro voando — sempre o voto

era um direito e era um dever sagrado.

De repente deixou de ser sagrado,

de repente deixou de ser direito,

de repente deixou de ser, o voto”.

Em abril de 1985, o poema ‘Os estatutos do homem’ foi musicado pelo maestro e compositor amazonense Cláudio Santoro, e abriu a temporada de concertos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

Um dos livros mais ricos de informações históricas, lançado por Thiago de Mello, em 1984, curiosamente não é um livro de poesias. Em ‘Manaus, amor e memória’, o poeta conta histórias de seu tempo de menino, em Manaus, entre 1931 a 1939. Fala de seus colegas de infância, dos vizinhos, de sua primeira paixão por uma jovem que ele via passar no bonde, de como era a cidade naqueles tempos. Além de poeta, Thiago era um excelente contador de histórias.

“O poeta Thiago de Mello tem presença das mais expressivas na poesia brasileira, especialmente pelo sentido de sua obra, marcada por forte conteúdo humano e compromisso com a vida. Sua passagem é uma nota triste no cenário cultural de nosso país. Sua voz cala, mas seus poemas viverão eternamente”, falou o escritor Tenório Telles, que acompanhou de perto os últimos anos de Thiago.

“Pois dentro desta manhã

vou caminhando. E me vou

tão feliz como a criança

que me leva pela mão.

Não tenho nem faço rumo:

vou no rumo da manhã,

levado pelo menino

(ele conhece caminhos

e mundos, melhor do que eu)”.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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