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Pioneiros ônibus de madeira

Uma verdadeira viagem de bonde, depois de ônibus (de madeira), construídos sobre chassis de caminhões. Assim é a leitura de ‘Estação Radiant’, livro da professora e sanitarista Margarida Campos, que foi lançado na última terça-feira (9), na Galeria ICBEU (av. Joaquim Nabuco, 1286 – Centro), às 18h30, pela Valer Editora. Ao longo de 560 páginas, Margarida conta histórias que viveu em sua infância e adolescência, afinal de contas seu pai, João Damasceno dos Santos, foi o pioneiro na construção desses ônibus, a partir de 1947.

Os ônibus de madeira começaram a circular em Manaus no final da década de 1940 e até 1969 ainda poderiam ser encontrados alguns, em vias da cidade. Infelizmente nenhum desses veículos, assim como os bondes, foi preservado para a história, e só podem ser conhecidos através de fotos.

“Há anos os serviços dos bondes vinham definhando, mas no final da década de 1940 a situação ficou precária. Os veículos eram velhos e revoltavam a população quando pregavam no meio do caminho. Quando Plínio Ramos Coelho (1955/1959) foi eleito governador, em 1954, se comprometeu a restaurar os serviços de bonde e, realmente, fez isso. Chegou a ‘motornar’ um bonde restaurado, quando governador, mas não deu e, em 1957, os serviços foram extintos com os bondes sendo, posteriormente, desmontados”, contou.

No livro, Margarida descreve João Damasceno como ‘um negro alto, elegante, de feições afiladas, faceiro e sedutor. Gostava dos prazeres da vida: bebidas, jogos, festas e noitadas’. 

Cara chata

‘De aprendiz chegou a ser um grande marceneiro e proprietário de uma oficina bem-sucedida na fabricação de móveis finos e esquadrias de madeira, antes de se especializar e concentrar toda a sua atividade na construção de ônibus e carrocerias de caminhão e caminhonete’.

“Ele chegou a fazer móveis para o Estado, tal era a qualidade de seu trabalho, e foi minha mãe Leonor, a Lola, que o incentivou a montar uma oficina própria”, lembrou.

O primeiro veículo coletivo começou a circular, no Brasil, no Rio de Janeiro, em 1817, puxado por cavalos. No Rio de Janeiro também surgiu o bonde elétrico, em 1892, mesmo período em que chegaram a Manaus, durante o governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro (1892/1896). Já os ônibus, movidos à gasolina, surgiram na então capital federal, em 1908.

“Na Manaus das décadas de 1940 e 1950, trazer esses ônibus até aqui sairia muito caro, então a solução foi improvisar. Meu pai foi o primeiro a fazer isso, construindo toda a estrutura dos ônibus, com cadeiras para os passageiros, e assentando isso sobre o chassi de um caminhão”, revelou.

“Dá para concluir que caminhões já existiam em quantidade, pois, depois de meu pai, outras oficinas começaram a realizar o mesmo serviço. Consegui calcular que meu pai construiu de 90 a 120 ônibus num período de 20 anos, de 1947 a 1967, ou seja, mais da metade da frota existente na cidade. Ele levava uns dois meses para aprontar cada um”, disse.

Ainda de acordo com Margarida, Damasceno chegou a ir até Belém para verificar como eram os ônibus que circulavam na capital paraense.

“E ele os aperfeiçoou construindo os ônibus com cara chata e com mais ventilação para os passageiros”, falou.

Radiant, modelo original, ainda com a ‘cara’, do caminhão

Ana Cássia

Sobre o nome do livro ‘Estação Radiant’, Margarida revelou que era o nome de um dos ônibus, aliás, cada proprietário dava um nome para seu ônibus e seguia uma linha pré-determinada.

“O Radiant era o mais belo e o mais veloz, se destacando pela cor azul forte, por isso a capa do livro é azul e apresenta a foto deste ônibus. O motorista do Radiant o dirigia com velocidade, por isso ficou conhecido”, informou.

Outra curiosidade revelada no livro de Margarida é que, logo no início dos ônibus de madeira, qualquer pessoa podia mandar fazer um veículo e definir uma linha. Com o tempo o serviço foi sendo organizado.

“O Batará (Cassiano Cirilo Anunciação) foi a primeira pessoa a ter uma empresa de ônibus constituída, a Ana Cássia, e meu pai fez alguns veículos para ele, na década de 1960. A empresa cresceu bastante, na década de 1970, quando os ônibus já não eram mais de madeira e vinham de fora”, afirmou.

“Com esse livro quero escrever o nome de meu pai na história de Manaus, pois ele morreu sem saber de sua importância para o progresso da cidade. Os ônibus construídos por ele, em duas décadas, facilitaram com que pessoas, moradoras dos arrabaldes da cidade, tivessem acesso facilitado ao Centro e mesmo entre os bairros”, concluiu.

No texto final, Margarida escreveu: ‘na caminhada rotineira, de todo santo dia, os ônibus de madeira diminuíam distâncias e plantavam esperança. Se resvalassem em crateras escondidas em áreas encharcadas e empenassem aros de roda, estourassem pneus ou danificassem paralamas, o prejuízo logo seria compensado com a alegria dos adolescentes de comunidades longínquas e esquecidas que precisavam embarcar na Estação Radiant para chegar ao Centro da cidade e iniciar uma bela escalada de sonhos’.

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Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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