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Manaus das décadas de 1950 e 60

Quem viveu na Manaus da década de 1950 (e a cada dia são menos os que presenciaram aqueles momentos) confirma que era bem melhor viver naquela cidade com menos de 200 mil habitantes, tranquila e longe das maldades do mundo, do que esta, de agora, onde tudo de bom, mas principalmente de ruim, surgido no mundo, logo está ao nosso lado. E a praça Heliodoro Balbi, a popular praça da Polícia, era o centro cultural da cidade de onde se irradiava a intelectualidade dos jovens. É o que se comprova no livro ‘Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 1950 e 1960’, do professor da UEA, José Vicente de Souza Aguiar, que será lançado no sábado (22), às 9h, no auditório da Escola Normal Superior da UEA (rua Virgílio Ferreira, 33 – Parque 10 de Novembro), pela Editora Valer.

“São cidades profundamente diferentes. Nas décadas de 1950 e 60 encontramos o Clube da Madrugada, o Colégio Estadual, os cines Guarany e Polytheama e a praça da Polícia numa relação de complementaridade. Naquela cidade, podemos ressaltar a relação de interesses que foram fundamentais para mais de uma geração. As discussões do Clube da Madrugada perpassavam pelo Colégio Estadual. Da mesma forma, alunos do Colégio Estadual viviam e sentiam as motivações literárias e teatrais que emanavam do Clube, e frequentavam aqueles cines”, falou.

“A Praça da Polícia abrigou não apenas os poetas e escritores do Clube da Madrugada, mas os alunos do Colégio. No espaço público da praça eram realizadas as atividades de exposições dos trabalhos do Clube, além dos seus encontros”, completou.

Isolamento de Manaus

Com uma economia que se ‘arrastava’, desde 1911, com o fim do boom do comércio da borracha, a população acompanhava aquele ritmo. A cidade vivia do comércio e do extrativismo, e tinha nos cinemas as atrações principais.

“E existiam os cinéfilos. Pessoas que não eram apenas frequentadores das salas de cinema, mas conheciam a produção cinematográfica. Eram apreciadores de determinadas produções, o que revela a dimensão estética dos seus conhecimentos. Frequentar o banho do Parque 10 e passear nas praças eram atividades de lazer. Aliás, proporcionalmente, a Manaus dos anos de 1950 e 60 tinha mais praças do que a Manaus de 2023”, esclareceu.

Sem televisão ou telefone, apenas com emissoras de rádio e jornais, que recebiam as notícias do Brasil e do mundo direto da capital, Rio de Janeiro, com horas e até dias de atraso, e às vezes nem recebiam, Manaus vivia isolada, cercada pela floresta intocada.

“A circulação do que acontecia no mundo tinha tempo distinto para chegar a Manaus. Ainda assim, os membros do Clube da Madrugada souberam da Semana de Arte Moderna de 22 e, inclusive criaram, em 1954, um estilo literário que marcou a produção local. Vale ressaltar que parte da população não tinha acesso à escola, tampouco a educação oferecida no Colégio Estadual, que formou uma geração de profissionais depois saídos da, então, Universidade do Amazonas”, disse.

É exatamente a partir da década de 1950 que Manaus começa a se ‘desfazer’ de seus casarões da época da belle époque, demolindo-os um a um, como uma forma inconsciente de romper com o passado. Mas dezenas deles permaneceram até os dias atuais para não deixar aquele tempo morrer.

“Na década de 1950, não era mais possível manter a opulência econômica do período da borracha, que sustentou a belle époque. Entre 1910 até a implantação da Zona Franca no final da década de 60, Manaus viveu pacatamente. O passado, oriundo de um estilo europeu, foi ultrapassado por força do debacle econômico local”, lembrou.

Cresceu feia

Na década de 1960 a cidade continuou praticamente na ‘mesma pisada’ da década anterior, mas a partir de 1965 passou a ficar mais antenada com o que acontecia no mundo. Os jovens se interessaram por um novo estilo musical, o rock, e o governo militar, surgido após 1964, olhou com atenção para estes lados. Implantou o projeto Zona Franca, em Manaus, e a televisão chegou. O Clube da Madrugada e os cinemas permaneciam ativos.

Capa do livro

“Pelo escrito de membro do Clube da Madrugada conhecemos as situações dos moradores da Cidade Flutuante, que ficava em toda a frente de Manaus; não foi diferente com os fatos políticos da época. Em ‘O muro’, Anibal Beça expressa sua força de repúdio aos acontecimentos políticos daquele período”, revelou.

“Meu livro tem uma abordagem histórica com destaque para quatro temáticas que considero importantes para o entendimento da atualidade: a cidade, o colégio, a praça e o cinema. Uma cidade se completa com as outras três ‘instituições’. É importante cuidar da cidade, pois ela é feita fundamentalmente de pessoas. É necessário criar condições de sociabilidade, com espaços públicos destinados às crianças, aos jovens, adultos e aos idosos. Manaus é uma cidade que cresceu feia, sem planejamento urbano. Existem bolsões de beleza. Infelizmente o Centro antigo, palco central de meu livro, outrora cheio de energia, hoje está abandonado, sujo, repleto de prédios velhos e abandonados. Só nos resta ler meu livro e tentar voltar ao passado”, finalizou.

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Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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