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Entrevista: Turenko Beça, : ‘Aplicativos são o novo ópio do povo’

O artista plástico Turenko Beça avalia que houve um desmonte do setor cultural brasileiro, mas mesmo assim considera como um grande avanço para a classe artística a aprovação da Lei Aldir Blanc na Câmara dos Deputados. E não economiza nas palavras ao criticar personalidades como a atriz Regina Duarte, que comandou o setor, tendo uma atuação catastrófica. E classifica Mário Frias como um “idiota que foi investido no cargo de ministro Especial da Cultura, não valendo um pacote de miojo”.

Beça tem uma imensa militância na área. E diz que se engajou no movimento nacional em defesa da nova legislação. O artista tem ainda ampla participação no magistério, contribuindo para a formação de pelo menos três gerações de artistas no Amazonas. Ele vê com muita importância as novas ferramentas digitais, mas faz uma ressalva.

Para Beça, é preciso ter muito cuidado com o que se absorve pelas redes sociais. Para ele, os aplicativos são o novo ópio do povo. Mas é necessário recorrer a fontes fidedignas, de credibilidade, para quem pretende ampliar o seu raio de conhecimentos sobre as mais diversas matizes da cultura.

Segundo o artista, as ferramentas tecnológicas criaram uma nova realidade no mundo artístico, possibilitando a realização de eventos culturais online e presenciais. Ele alerta, porém, que muitos artistas foram afetados durante a pandemia. E ainda temem a exposição a grandes públicos, como o Festival Folclórico de Parintins, autorizado pelo governo estadual para ser retomado este ano, reunindo os bumbás Caprichoso e Garantido.

“Mesmo com a liberação, muitas pessoas continuam traumatizadas pelo que aconteceu durante a pandemia. Fomos um dos setores mais afetados pela crise, mas vejo com uma boa iniciativa a retomada dos eventos”, disse ele.

Turenko Beça participou do ‘JC às 15’, comandado pelo jornalista Fred Novaes, diretor de redação do Jornal do Commercio.

Jornal do Commercio – Afinal, o Brasil está à deriva?

Turenko Beça – Vou falar pela parte da cultura, onde sou mais militante, levando em conta o desmonte do setor pelo governo federal. Coisa ridícula, principalmente nesses nomes estranhos que colocaram, como a Regina Duarte, uma boa atriz, mas que não soube comandar o setor. E agora esse idiota Mário Frias como ministro da Cultura, que não vale um pacote de miojo.

E temos que ter muita inteligência para combater esse desmonte das instituições. O setor da cultura foi um dos que mais sofreram na pandemia, em especial a cultura do Estado. Fizemos pesquisas para mensurar o impacto no setor. Participando de um levantamento nacional.

E militamos para poder aprovar a Lei Aldir Blanc, que foi um ganho nacional. Foi um sopro de esperança para o setor no Amazonas. Conseguimos chegar a 18 municípios. Falei com todos os representantes da cultura dos 61 municípios  do Estado. Não consegui ter toda a adesão porque não se podia falar com todo mundo naquela época.

Mas fizemos uma diferença muito grande, principalmente na questão dos editais. Até com ranchos, a secretaria estava muito engajada. O secretário Marcos Apolo é da base, é alguém que conhece. E sabia o que o pessoal estava passando

Fizemos um bom trabalho, não houve devolução de recursos para o governo federal. E a prestação de contas está indo de vento em popa.

JC – De alguma forma, se conseguiu fazer um mapeamento sobre a classe artística no Amazonas?

TB –  Sim, nós fizemos o cadastro estadual de cultura. Para facilitar a vida das pessoas que se inscrevem. Hoje já temos um banco de dados, a pessoa já tem um número como se fosse um CPF.

Isso insere as pessoas no sistema, fica mais fácil mensurar, até para as políticas públicas, tanto da cultura como a economia criativa.

JC – Você agora está na Secretaria de Cultura exatamente lidando com a economia criativa. O que é isso?

TB– A economia criativa é uma parte da economia mais jovem da ciência econômica, a economia da experiência, da cultura.

Foi provado  que priorizar a cultura é investimento, não é custo. A economia criativa vê valor não só no financeiro, mas no que você tem em ideias. E a ideia é um valor inesgotável. Por isso que as pessoas têm dificuldade de compreender, porque é meio abstrato.

JC -Com a diminuição das restrições, teremos agora a volta do Festival de Parintins. Qual a expectativa para o setor?

TB – Temos Parintins, Caapiranga, e são eventos fundamentais para a economia do Estado e dos municípios.

O que a secretaria tem feito, além dos investimentos, é priorizar atividades de formação, que vão estender mais os ganhos, que não são só os das festas.

Lá em Parintins, desde que fizeram o liceu de artes, já se formaram muitos artistas, tem a contribuição da Ufam. A gente espera que a economia tenha um respiro.

Estudei um pouco sobre dados da UEA em relação a isso. Há uma dependência muito grande em relação ao festival. Deveríamos ter mais alternativas com outras políticas públicas.

JC -Parece que há ainda um certo trauma para a realização de espetáculos….

TB – A questão não é só a liberação. Toda a experiência que as pessoas passaram, perda de entes queridos. Eu perdi uma média de cinco pessoas por dia entre alunos, ex-alunos e amigos. E isso traumatiza.

Então, é trabalhar agora a cabeça das pessoas para tentar aos poucos ir diminuindo esse trauma. A secretaria já liberou os espaços culturais sem agendamento prévio. Acho que as coisas estão mais confortáveis. Mas ainda tem uma neurose.

JC – Muita gente ainda não conseguiu tirar a máscara….

TB – Eu sou um, é perigoso, tenho muitos alunos.

JC – Você é conhecido pelos seus trabalhos nas artes plásticas.  Como está agora essa atividade?

TB – Sempre estou produzindo, desenho todo dia. Estou fazendo uma peça que será exposta em São Paulo. Para uma exposição chamada Xilografite. É uma peça de mais de dois metros. Também tenho uma parceria em Curitiba, e com a Manart Galeria, que comercializa as peças pelo Instagram e nas lojas físicas.

JC– Não para. Mesmo….

TB – Sim, com certeza, é como um veneno…..

JC – As ferramentas tecnológicas abriram uma nova janela durante a pandemia. Foi importante para disseminar mais a arte. Contribuiu para a produção cultural?

TB – Eu mesmo fiz um mestrado no Rio Grande do Sul. Foi tudo online. Pra gente que é da Amazônia é fundamental. Dei aulas para as pessoas em municípios por essas ferramentas. O turismo de negócios foi muito afetado.

A questão do meio ambiente foi impactada. Mas agora voltei a fazer tudo presencial e comecei a sentir a mesma canseira. Tem um lado bom que a gente está mais próximo das pessoas. Durante a pandemia, senti muita falta em abraçar meus amigos.

JC – Como foi a adaptação para utilizar essas novas ferramentas durante a pandemia?

TB – Eu já tinha feito cursos online. Na hora de me apresentar, vi com muita sabedoria tudo que a minha filha de 16 anos me indicava para melhoria da própria aula. Ela meio que dirigia tudo, foi um aprendizado muito bom.

É diferente de você estar em sala de aula, você vê se o aluno está gostando. É meio estranho. Foi uma boa adaptação.

Esses equipamentos já existiam e não eram utilizados. Acho que a coisa vai ser híbrida daqui por diante.

JC – Você tem mais de 30 anos dando aula. Como está hoje essa relação, percebe alguma diferença nesse perfil?

TB – Já dei aula para três gerações.  Preocupa muito a influência na indústria cultural desses meninos. A maior parte desses equipamentos é meio lúdica e acaba viciando as pessoas. Não estou criticando. O problema é usar só isso. Você percebe que os aplicativos são o novo ópio do povo. O pessoal se esquece do mundo. Anestesia mesmo. Entrei numa sala e perguntei se sabiam o que era o orçamento secreto. Ninguém sabia. É preocupante. Não sou contra usar o celular, pode confrontar na internet, é muito salutar, mas tem que ver as fontes.

JC – Quais as suas expectativas sobre a classe artística que vai emergir depois da pandemia, que começa a ter uma efervescência cultural? Que legado virá de tudo isso?

TB – As pessoas vêm com gana de viver, não pode confundir com porra louquice. Vai marcar a nossa vida, é indelével. Vamos conviver provavelmente com mais pandemia. Muita gente não aprendeu nada com a crise.

Tem um monte de coisas que precisam ser vistas. Vejo que essa crise de petróleo vai servir para desenvolvimento de outras alternativas de energia limpa.

JC – Agora, somos especialistas em geopolítica. Pode falar um pouco sobre a sua relação com esse conflito e que também mexe um pouco com a sua origem?

TB – O meu avô era russo e a minha avó era croata. Durante a Segunda Guerra tiveram que fugir e pegaram o navio para o Brasil. E em toda essa migração que está acontecendo, o frio intenso, você já é despojado de tudo da sua vida.

Dói muito a simplificação de um conflito desses, é uma coisa muito complexa. Sou contra qualquer tipo de violência. Mas sou contra essa coisa de demonizar um lado e outro. São coisas milenares. Você querer conhecer a história da Rússia pelo que leu no Facebook, é inadmissível. É muito complexo.

Estamos passando por um momento de quebra de paradigmas, de reorganização multilateral. A gente não pode ser ingênuo de que é só questão de neonazismo, tem muito dinheiro, tem muito poder em torno de si.

Marcelo Peres

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