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Como comprar gato por lebre

Nosso país é refém do folclórico jeitinho brasileiro. Este modus operandi pode ser facilmente encontrado em todas as esferas de nossa democracia. Mas aqui vamos falar do jeitinho que manobra uma das leis que mais clamam por mudanças: a Lei das Licitações 8666/93. Os argumentos explícitos nesta missiva não só deixam expostas as brechas da legislação como também muitas vezes são ignorados sem cerimônia. Portanto, para que as licitações no Brasil ganhem o caráter oficial que merecem não basta apenas mudar a carta que rege o segmento. Mas seguir seus parâmetros. Agir de acordo com o que reza a legislatura.

Isso porque a 8666 estabelece critérios, por exemplo, para definir a compra de itens de segurança viária. E, em casos assim, comprar gato por lebre pode ser a diferença crucial entre o acidente e o tráfego seguro. Porque falta de sinalização pode ter como contra-indicação mais grave, a morte. Por isso, ao deflagrar a lei ou simplesmente ao ignorar seus parâmetros, o órgão público licitante estará agindo como co-autor para problemas graves de tráfego.
Uma das maneiras mais clássicas de comprar gato por lebre em licitações é ir atrás do menor preço pura e simplesmente. Sem estabelecer critérios qualitativos, sem analisar o histórico do fabricante que, milagrosamente, garante a encomenda em prazo hábil, com qualidade técnica e valor bem abaixo do praticado no mercado. O mais inverossímil desta história da Carochinha não é o fabricante assinar embaixo da proposta. Mas o órgão público aceitá-la como verdade sem se dar ao trabalho de saber se tal empresa é idônea. Pesquisa básica que qualquer dona-de-casa faz antes de comprar uma nova marca de sabão em pó.

O caminho de uma empresa que ganha uma licitação para fornecer material para sinalização horizontal baseada exclusivamente no critério menor preço é similar: após ganhar a concorrência – e já sabido que com aquele valor não conseguirão entregar um produto que prime pela qualidade – ou descarregam qualquer tinta para o desavisado comprador ou não cumprem o prazo ou simplesmente não entregam. Em muitos casos as três alternativas podem ocorrer. Com o nome maculado no segmento após esta lambança, a fabricante sai de cena trocando apenas de nome. E segue sua rotina de ludibriar seus crédulos compradores.

É bem verdade que a própria Lei 8666 garante o comportamento nada ortodoxo dos espertos de plantão. No artigo 87, o texto fala das sanções estabelecidas para punir empresas que não cumprem o contrato licitatório, declarando que ela não estará apta, nos termos da lei, para licitar após ter infringido as regras em contrato anterior. Porém, o parágrafo 3° deste artigo estabelece que “a sanção (…) é de competência exclusiva do ministro de Estado, do secretário estadual ou municipal, conforme o caso”. Dessa forma, como exemplo, uma fabricante que cometeu infrações na entrega de um pedido para a prefeitura de Campinas, ainda assim estará apta a participar de licitação em São Bernardo do Campo. Porque sua não-conformidade fica restrita à cidade na qual houve o problema de fornecimento pós-licitação. Fica fácil trabalhar assim. Mas, cá entre nós, quem pecou pela qualidade do produto em uma cidade porque apostou na falta de critério técnico do poder público vai se redimir em outra localidade?
Em respaldo legal, cabe a quem compra valorizar a aquisição e vasculhar o histórico desta empresa.

Áurea Rangel é química, mestre em engenharia de materiais e especialista em sinalização horizontal e infra-estrutura viária.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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