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Centro Histórico de Manaus, um patrimônio abandonado

Um passeio pelo Centro Histórico de Manaus é um triste retrato do abandono e descaso com a história local, por meio das casas, casarões e palacetes seculares abandonados, alguns em vias de desabar.

Esses belos prédios foram construídos, principalmente entre 1890 e 1910, período da efervescência econômica do Amazonas, pelo intenso comércio da borracha e outros produtos extraídos da floresta. Nele habitavam famílias ilustres de seringalistas, comerciantes, políticos e homens da lei, advogados, juízes e desembargadores.

Tanto esmero tinham os proprietários por esses imóveis que seus construtores, em muitos casos, vinham da Europa e tanto a matéria-prima, quanto objetos de decoração, também eram importados daquele continente.

Durante os 20 anos citados essas casas, casarões e palacetes foram surgindo e embelezando as ruas de Manaus, não só do Centro, mas de bairros antigos como Aparecida, Educandos e São Raimundo.

Em 1911 a Amazônia perdeu a hegemonia do comércio mundial da borracha e a economia de Manaus sucumbiu ano após ano. Muitas famílias abandonaram suas moradias e foram embora da cidade. Outras ainda ficaram mas, empobrecidas, não mais tiveram condições para manter a beleza de suas residências, o que continuou com os herdeiros, filhos e netos.

Na década de 1950, o novo padrão residencial estilo americano, adotado em Manaus, o bangalô, com traços lisos e retos, fez o estilo rococó ser coisa do passado, e muitas casas, casarões e palacetes começaram a ser demolidos o que continuou pelas décadas de 1960 e 70. Os que conseguiram “sobreviver” àquela onda, podem desabar, agora, com o peso do tempo.

Em entrevista ao Jornal do Commercio, o historiador Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa, um apaixonado pelos tempos da belle époque explica um pouco mais sobre o assunto.     

Jornal do Commercio: Cada vez mais as casas, casarões e palacetes seculares do Centro estão se deteriorando. Como resolver isso?

Fábio Augusto: A preservação de prédios históricos demanda um trabalho em conjunto entre o poder público e a comunidade, como fica expresso em nossa Constituição. Essa proteção se dá por meio de registros, inventários, desapropriação e o famoso tombamento, que é a declaração da importância histórica de determinado patrimônio. O abandono se faz presente não só no centro histórico, mas também em outros bairros antigos como o Educandos, Aparecida e São Raimundo. Nosso papel, enquanto cidadãos, é fiscalizar e acionar os órgãos competentes sobre em que estado se encontram prédios, praças e outros logradouros. Mesmo que tombados, a manutenção desses espaços compete aos seus proprietários, e cabe a instituições como o Iphan a fiscalização.

JC: Se o imóvel histórico é particular, e não é cuidado, não tem como o poder público interferir para obrigar os proprietários a cuidar dele? 

FA: O tombamento por si só já é uma forma de intervenção do Estado para a proteção do patrimônio cultural. O poder público pode, em casos críticos, desapropriar prédios históricos particulares para preservá-los. Em 2017, por exemplo, o governo do Amazonas pensou em desapropriar a Santa Casa de Misericórdia, mas desistiu. O local acabou sendo leiloado. A intervenção está respaldada no bem comum, no patrimônio que pertence não apenas àquele particular, mas à sociedade como um todo.

JC: Prédios públicos estão cada vez mais entrando na lista dos abandonados, como Alfândega, SNPH, prédio do Iphan, agência Central dos Correios, sem citar os antigos como o complexo Booth Line. Seria dinheiro ou seriedade que está faltando? 

FA: Pode-se dizer que ambos. O tombamento de prédios históricos, em um primeiro momento, garante o reconhecimento da importância destes. Em um segundo momento fala-se do restauro, que sabemos não ser barato. Por último, para completar essa questão, temos a morosidade de algumas instituições, o que acaba prejudicando ainda mais.

JC: Você acha que deveriam ser elaborados projetos para que empresas possam bancar, por meio de isenção fiscal, restaurações de prédios históricos? 

FA: Deveriam, pois o restauro e conservação são onerosos. As isenções fiscais ajudariam no custo. Já existe a isenção no IPTU para proprietários de bens tombados, o que já ajuda bastante, mas não é o suficiente.

JC: Levantamento feito por você, pelas ruas do centro histórico constatou quase 100 casas, casarões e palacetes abandonados. O Centro, hoje, é um fantasma do passado?

FA: Fiz esse levantamento com o historiador Ed Lincon Barros, que desde a década de 1980 dedica-se ao estudo da cidade. Identificamos prédios históricos abandonados no Centro, em Educandos, Aparecida e São Raimundo. São 94 no total. O mais antigo é o prédio da Santa Casa de Misericórdia, que foi leiloado e que hoje aguarda o restauro prometido por seus novos proprietários. Nos últimos anos temos visto o restauro de locais importantes como os antigos hotel Cassina e prédio da Câmara Municipal, este, transformado em Centro de Arqueologia. Por meio do trabalho conjunto entre particulares e poder público talvez um dia possamos nos orgulhar do patrimônio histórico da cidade como um todo.

Foto/Destaque: Marcio James/Semcom

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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