9 de dezembro de 2024

Vlado ressuscitou com glória

Esta semana me lembrei de uma história que li há muito tempo, creio que na revista Seleções sobre um casal que foi passar uns dias na casa que tinham à beira de um lago. Naquele lugar era proibido pescar, por isso o homem saiu com o bote para longe, onde era permitido. Voltou de madrugada e atracou seu barquinho, sem, no entanto, retirar o material de pesca. A esposa pega o barco, o conduz para debaixo de uma árvore que jogava uma sombra gostosa e se pôs a ler, naquele clima maravilhoso. Um fiscal de pesca chegou, olhou o barco e a avisou que ali era proibido pescar. Ela argumentou que estava lendo e não pescando. Ele insistiu em multa-la porque ela tinha todas as ferramentas. “Então, eu vou acusa-lo de tentar me violentar”, disse a mulher. Ele respondeu que isso era uma mentira, que ele não tinha feito nada disso. “Pode negar”, disse a mulher. “Mas o senhor tem todas as ferramentas”. 

O crime presumível agora já virou crime consumado, segundo a avaliação do TSE. Aliás, nem teve avaliação. As cinquenta páginas que, por tantas vezes justificavam o voto do ministro, foram esquecidas por uma aclamação afoita na cassação do Deputado Deltran Dallagnol. Ninguém argumentou nada. Ninguém questionou que os quase trezentos e cinquenta mil votos poderiam valer alguma coisa. Ficaram todos escondidos. Desta vez, o maior criminoso do Brasil, segundo Beatrix von Storch, nem sujou as mãos. Seu fiel escudeiro, Benedito Gonçalves (aquele que recebeu carinho de Lula e disse “missão dada, missão cumprida”) foi o relator. Aliás, como já dizia Nelson Rodrigues: “Toda a unanimidade é burra, quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.” No caso nem é burrice. É conluio ou medo. Afinal, a arma da (in)justiça apontada para um pode voltar-se para outro. A justificativa é das mais torpes. É o mesmo que confiscar o salário do trabalhador porque ele conhece algum traficante e, por isso, poderia usar o dinheiro para comprar drogas. O relator parece ser o maior eleitor do Brasil.

Aquilo que os ditadores de hoje chamam de “ditadura militar” em que havia muitas exceções à lei, acabou com um caso ruidoso que foi a morte de Vladimir Herzog, o Vlado, nas dependências do DOI-CODI. Ele não foi o único injustiçado, mas era mais brando de todos. Somado aos anteriores, detonou o estopim que escancarou o que acontecia nos porões mais escuros e escusos do período militar. Naquela época, as regras de exceção usavam a palavra chave “Revolução”, hoje usa-se “Democracia”. Desafiando a língua portuguesa, têm o mesmo significado prático. 

Não conheço o senhor Deltran Dallagnol, o que não vem ao caso agora. O desrespeito às regras hoje cassou o mandato dele, ontem puniu jornalistas por pensar e expressar esta opinião já puniu deputados pelo mesmo motivo. Desmonetizou empresas, que é o mesmo que roubar o salário do trabalhador. Amanhã vai atingir a mim. Se concordarmos com isso, estaremos jogando no ralo todo o heroísmo dos que combateram a falta de liberdade em outros tempos. Afinal, se os ministros não pensam, para a alegria do presidente do TSE, a população precisa mostrar que não entende e não aceita esse assalto à liberdade. Repare-se que nem juristas renomados também não entendem. É o caso Vlado se repetindo.

Qual é o objetivo de tudo isso? Pessoalmente nenhum ministro pode mostrar as caras em restaurante, supermercado e mesmo avião sem ser hostilizado pelo povo. Agora são hostilizados também no exterior. Os filhos são hostilizados nas escolas e locais de lazer. O custo social compensa essa luta pelo poder a qualquer preço? Por que essa ânsia em dominar o país? É muito triste ser brasileiro e descobrir que os mandatários da nação não têm palavra. Dizem e até escrevem uma coisa, e fazem totalmente outra. O chefe da nação se orgulha de suas mentiras e o judiciário é unânime em “acompanhar” ao relato dele? A distância entre atos de direito e de atos de justiça está cada vez maior. (Luiz Lauschner)

Luiz Lauschner

é empresário

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