Esta semana me lembrei de uma história que li há muito tempo, creio que na revista Seleções sobre um casal que foi passar uns dias na casa que tinham à beira de um lago. Naquele lugar era proibido pescar, por isso o homem saiu com o bote para longe, onde era permitido. Voltou de madrugada e atracou seu barquinho, sem, no entanto, retirar o material de pesca. A esposa pega o barco, o conduz para debaixo de uma árvore que jogava uma sombra gostosa e se pôs a ler, naquele clima maravilhoso. Um fiscal de pesca chegou, olhou o barco e a avisou que ali era proibido pescar. Ela argumentou que estava lendo e não pescando. Ele insistiu em multa-la porque ela tinha todas as ferramentas. “Então, eu vou acusa-lo de tentar me violentar”, disse a mulher. Ele respondeu que isso era uma mentira, que ele não tinha feito nada disso. “Pode negar”, disse a mulher. “Mas o senhor tem todas as ferramentas”.
O crime presumível agora já virou crime consumado, segundo a avaliação do TSE. Aliás, nem teve avaliação. As cinquenta páginas que, por tantas vezes justificavam o voto do ministro, foram esquecidas por uma aclamação afoita na cassação do Deputado Deltran Dallagnol. Ninguém argumentou nada. Ninguém questionou que os quase trezentos e cinquenta mil votos poderiam valer alguma coisa. Ficaram todos escondidos. Desta vez, o maior criminoso do Brasil, segundo Beatrix von Storch, nem sujou as mãos. Seu fiel escudeiro, Benedito Gonçalves (aquele que recebeu carinho de Lula e disse “missão dada, missão cumprida”) foi o relator. Aliás, como já dizia Nelson Rodrigues: “Toda a unanimidade é burra, quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.” No caso nem é burrice. É conluio ou medo. Afinal, a arma da (in)justiça apontada para um pode voltar-se para outro. A justificativa é das mais torpes. É o mesmo que confiscar o salário do trabalhador porque ele conhece algum traficante e, por isso, poderia usar o dinheiro para comprar drogas. O relator parece ser o maior eleitor do Brasil.
Aquilo que os ditadores de hoje chamam de “ditadura militar” em que havia muitas exceções à lei, acabou com um caso ruidoso que foi a morte de Vladimir Herzog, o Vlado, nas dependências do DOI-CODI. Ele não foi o único injustiçado, mas era mais brando de todos. Somado aos anteriores, detonou o estopim que escancarou o que acontecia nos porões mais escuros e escusos do período militar. Naquela época, as regras de exceção usavam a palavra chave “Revolução”, hoje usa-se “Democracia”. Desafiando a língua portuguesa, têm o mesmo significado prático.
Não conheço o senhor Deltran Dallagnol, o que não vem ao caso agora. O desrespeito às regras hoje cassou o mandato dele, ontem puniu jornalistas por pensar e expressar esta opinião já puniu deputados pelo mesmo motivo. Desmonetizou empresas, que é o mesmo que roubar o salário do trabalhador. Amanhã vai atingir a mim. Se concordarmos com isso, estaremos jogando no ralo todo o heroísmo dos que combateram a falta de liberdade em outros tempos. Afinal, se os ministros não pensam, para a alegria do presidente do TSE, a população precisa mostrar que não entende e não aceita esse assalto à liberdade. Repare-se que nem juristas renomados também não entendem. É o caso Vlado se repetindo.
Qual é o objetivo de tudo isso? Pessoalmente nenhum ministro pode mostrar as caras em restaurante, supermercado e mesmo avião sem ser hostilizado pelo povo. Agora são hostilizados também no exterior. Os filhos são hostilizados nas escolas e locais de lazer. O custo social compensa essa luta pelo poder a qualquer preço? Por que essa ânsia em dominar o país? É muito triste ser brasileiro e descobrir que os mandatários da nação não têm palavra. Dizem e até escrevem uma coisa, e fazem totalmente outra. O chefe da nação se orgulha de suas mentiras e o judiciário é unânime em “acompanhar” ao relato dele? A distância entre atos de direito e de atos de justiça está cada vez maior. (Luiz Lauschner)