3 de novembro de 2024

Selva – Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental

Daniel Borges Nava*

*Geólogo, Analista Ambiental, Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia e Pesquisador do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA.

 Em comemoração ao Dia Mundial da Saúde (07 de abril) trago aos leitores um tema que nos afeta a todos: a poluição atmosférica. A gravidade está nas palavras do diretor-geral da OMS Tedros Adhanom Ghebreyesus, em matéria da ONU News de 2018: “a poluição atmosférica é o novo tabaco”.

Assisti a palestra do Professor Doutor Rodrigo Souza da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) intitulada “Mudança de paradigma no monitoramento da poluição atmosférica na Amazônia” dentro da programação do IV Workshop de Química Aplicada à Tecnologia ocorrido na Escola Superior de Tecnologia (EST/UEA). Foi fantástico saber que o Estado do Amazonas já conta com um Sistema de Monitoramento da Qualidade do Ar – o SELVA – funcionando operacionalmente desde setembro de 2023.

Os indicadores da qualidade do ar podem ser compreendidos quando se mede a quantidade ou concentração de poluentes, normatizadas a partir das Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA nº 05/1989, nº 03/1990 e, mais recentemente, nº 491, de 19 de novembro de 2018, todas, visando garantir a proteção do ambiente e da saúde da população.

Os dados mundiais são alarmantes: segundo informações de abril de 2022 da Organização Mundial da Saúde (OMS), quase toda a população do mundo (99%) respira ar que excede os limites de qualidade recomendados pela OMS. E respirar níveis insalubres de material particulado fino e dióxido de nitrogênio é uma grave ameaça à saúde humana.

O material particulado fino (MP2,5) é capaz de penetrar profundamente nos pulmões e entrar na corrente sanguínea, causando impactos cardiovasculares, cerebrovasculares (AVC) e respiratórios. O dióxido de nitrogênio, por sua vez, está associado a doenças respiratórias, principalmente asma, levando a sintomas respiratórios (como tosse, chiado ou dificuldade para respirar), internações hospitalares e busca por serviços de emergência.

Politicamente, monitorar a qualidade do ar deve ser encarado como um caso de saúde pública. 

Desde 2001, o Ministério da Saúde possui a Vigilância em Saúde de Populações Expostas à Poluição Atmosférica (VIGIAR), ação que permite recomendar e instituir medidas de prevenção de promoção de saúde e de atenção integral, conforme preconizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

O tema é tão sensível que o Senado Federal, a partir da sua Comissão de Meio Ambiente, aprovou a Política Nacional de Qualidade do Ar através do Projeto de Lei nº 3027/2022 (nº 10.521/2018, na Câmara de Deputados). O link do projeto que seguiu para votação no plenário pode ser acessado em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/155539.

No Amazonas, registra-se a brilhante iniciativa da Plataforma SELVA, desenvolvida dentro do Grupo de Pesquisa de “Estudos Meteorológicos e Modelagem na Amazônia (GEMMA)” da UEA, que fortalece a capacidade do Estado em monitorar ambientalmente a qualidade do ar. 

O SELVA funciona com mais de 100 sensores de baixo custo (cada sensor custa cerca de R$3.000,00), 24 deles, instalados na Região Metropolitana: 19 em Manaus, e um nas sedes de Novo Airão, Parintins, Itacoatiara, Presidente Figueiredo e Careiro da Várzea. 

Tais sensores foram fundamentais na identificação da origem da fumaça que invadiu Manaus ao longo dos meses de setembro e outubro de 2023. Diferentemente do que foi justificado por algumas autoridades do Amazonas, de que a fumaça vinha do vizinho Estado do Pará, a plataforma SELVA mostrou que a poluição que cobriu a Capital foi originada predominantemente por queimadas localizadas na Região Metropolitana de Manaus.

Tal observação corrobora com o teor da Nota Técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, de 23 de março de 2023, que relatou: “a maior parte das emissões brutas (92%) é causada por alterações de uso da terra, que, em sua maioria, consistem no desmatamento do bioma Amazônia (…)”.

A ciência não se engana, mesmo quando os discursos políticos querem encobrir as suas responsabilidades e deficiências.

Fato é que em 2023, da mesma forma que na época da pandemia, toda a população de Manaus buscou se refugiar dentro de suas casas, em virtude das consequências dos incêndios ilegais que trouxeram a poluição do ar como uma nuvem de mistura altamente tóxica cobrindo extensas áreas da cidade.

Para se ter a ideia do caos que passamos, chegou a ser medido pelo sensor do SELVA localizado próximo ao bairro Morro da Liberdade, Zona Centro-Sul de Manaus, a concentração de PM2,5 igual a 507,8 μg/m3, enquanto o limite tolerável pela OMS é de 5 μg/m3.

Localizada no coração da floresta, nossa Capital ser considerada uma das três cidades no planeta com pior qualidade do ar é um paradoxo que nos mostra ser preciso fazer mais e melhor no hercúleo trabalho de combate ao desmatamento e queimadas ilegais, notadamente, na Região Metropolitana.

Nesse sentido, a OMS recomenda nove ações/medidas que os governos podem tomar para melhorar a qualidade do ar e a saúde: 1) adoção ou revisão e implementação de padrões nacionais de qualidade do ar; 2) monitoramento da qualidade do ar e identificação de fontes de poluição; 3) apoio a transição para o uso exclusivo de energia doméstica limpa para cozinhar, aquecer e iluminar; 4) construção de sistemas de transporte público seguros e acessíveis e redes amigáveis para pedestres e ciclistas; 5) implementação de padrões mais rígidos de emissões e eficiência dos veículos, impondo inspeção e manutenção obrigatórias para veículos; 6) investimento em habitação com eficiência energética e geração de energia; 7) melhoria na gestão de resíduos industriais e municipais; 8) redução de incineração de resíduos agrícolas, incêndios florestais e certas atividades agroflorestais (por exemplo, produção de carvão); 9) inclusão da temática de poluição do ar nos currículos dos profissionais de saúde, fornecendo ferramentas para o envolvimento do setor da saúde.

Eis um tema que deve estar no radar do próximo prefeito de Manaus. 

Você pode baixar o aplicativo SELVA em seu celular e acessar em tempo real informações sobre a qualidade do ar no Amazonas: no Google Play e na Play Store digitando “SELVAAPP”. Ou acesse o Sistema Eletrônico de Vigilância Ambiental pelo site: www.appselva.com.br .

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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