Pesquisar
Close this search box.

Reforma que não reforma nada

Reginaldo de Oliveira*

E-mail: [email protected] / BLOG: www.doutorimposto.com.br

Por que o consumo nos EUA é tão elevado? Por que tantos brasileiros se matam pra viver o sonho americano? É possível que o principal motivo esteja no acesso facilitado a produtos que no Brasil são muito caros. Por exemplo, nos EUA, um simples policial tem padrão econômico comparável ao rico brasileiro. E por que isso acontece? A razão está no modelo arrecadatório, que aqui é baseado no consumo, enquanto que nos EUA, o alvo da tributação é a renda. 

A elevada taxação do rico americano permite uma cobrança menor no consumo. No ano de 2016, em resposta às provocações de Donald Trump, a candidata Hillary revelou que o casal Clinton havia ganhado US$ 10,6 milhões e pagado 43% de impostos. Ou seja, por conta dos altos rendimentos, o governo americano aplicou uma cobrança inimaginável no Brasil.

A taxação federal sobre renda nos EUA vai até 37%; há também o imposto de renda estadual. Essa carga é pesada para ganhos elevados, mas o rendimento anual de até US$ 11.000 é taxado com alíquota federal de 10%. Ou seja, quem ganha o equivalente a R$ 57.000 paga 10%. Enquanto isso, no Brasil, essa mesma renda paga 27,5%. Mas atentemos a essa curiosidade: O rendimento americano do equivalente a R$ 4.000.000 entra na faixa federal de 37%, enquanto que no Brasil essa mesma renda paga somente 7%. 

O Decreto-Lei 1.814 de 1980 estabelecia uma alíquota máxima de 35% (imposto de renda). Ou seja, nessa época, estávamos próximos do modelo progressivo americano. Mas no primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso, o artigo 10 da Lei 9.249 de 1995 acabou com a tributação dos dividendos, sob justificativa de que o imposto não pago seria reinvestido para geração de mais atividade econômica e mais emprego. Ocorre que, na prática, a receita das pessoas físicas milionárias ficou isenta de imposto de renda. Outra justificativa dessa isenção na pessoa física é de que a taxação atual da pessoa jurídica é muito elevada (34%). Só que, pouquíssimas empresas pagam tudo isso. O Brasil é a capital mundial da esperteza, onde tudo é feito para que uma coisa se pareça com outra. Vamos explicar com números (por exemplo, tributação do comércio no Simples Nacional). 

Se tomarmos R$ 3.600.000 vezes 14,3% chegaremos ao valor de R$ 514.800; menos dedução de R$ 87.300 a cobrança ficará em R$ 427.500. O percentual de repartição de IR/CSLL é de 9%, que resulta em R$ 38.475. O lucro empresarial de R$ 360.000 gera 10% de imposto de renda sobre dividendos. Esse imposto de renda cai para 5% se for distribuído lucro de R$ 720.000. Enquanto isso, o rendimento anual de R$ 56.000 obtido pelo assalariado paga 27,5%. 

É por causa dessas engenharias tributárias, que o estudo da Professora Maria Helena Zockun (USP) aponta a carga média de 7% de imposto de renda dos ricos brasileiros. E pra piorar só um pouquinho, além do imposto de renda, o salário paga 14% (empregado) mais 28% (patrão) de encargos previdenciários. Podemos dizer que vai para o bolso do empregado, metade daquilo que é gasto pelo patrão, se considerarmos diversos outros custos trabalhistas. E depois disso tudo, metade dos produtos consumidos por esse empregado é imposto. Resumo da ópera, três quartos do salário viram imposto. Esse é o motivo de a pessoa trabalhar, trabalhar e não conseguir construir nada. Nos EUA, o salário do empregado vai quase que totalmente para o bolso do empregado. Por isso, qualquer trabalhador pode comprar um carro, já que a taxação do consumo é dez vezes menor que no Brasil.  

A reforma tributária não mexe em absolutamente nada desse sistema doentio que penaliza o pobre em benefício do rico. Ou seja, décadas de rebuliços e debates infinitos serviram apenas para manter o sistema exatamente como está hoje. Isto é, toda a perversidade demoníaca vai continuar funcionando do jeito que sempre funcionou. Os produtos brasileiros continuarão extremamente caros por causa da gigantesca carga de impostos. E o governo vai continuar arrancando as tripas do trabalhador a fim de garantir que o rico continue sendo beneficiado por um sistema meticulosamente costurado para tributar somente o pobre. 

Os mentores da reforma dizem que o objetivo é simplificar a tributação do consumo. Mas até isso está se degringolando com a infinidade de exceções e particularidades e isenções que resultará numa regulamentação extremamente burocratizada. Desse modo, a tal simplicidade vai rapidamente virar fumaça. E pra amenizar a odiosa regressividade (que vai permanecer incólume), inventaram o tal de cashback, cuja implementação demandará uma burocracia transloucada. Ou seja, o governo vai meter os pés pelas mãos nesse assunto. Por exemplo, como pedir nota fiscal do camelô ou do encanador que conserta um vazamento? Mas nossos governantes só se preocupam com a pirotecnia das notícias espetaculosas propagadas por uma mídia incapaz de traduzir o ambiente tributário (incapaz ou tendenciosa). Curta e siga @doutorimposto. Outros 491 artigos estão disponíveis no site www.next.cnt.br como também está disponível o calendário de treinamentos ICMS.

* é consultor empresarial, palestrante, professor do ensino superior e especialista em capacitação profissional nas áreas de ICMS Básico e ICMS Substituição Tributária.

Compartilhe:​

Qual sua opinião? Deixe seu comentário

Notícias Recentes

No data was found
Pesquisar