Nesta quinta-feira,16, a Editora Valer lança o livro ‘Bento Aranha – textos selecionados’, do historiador e professor da Ufam, Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro. O evento acontecerá na Biblioteca do Icbeu (av. Joaquim Nabuco, 1286 – Centro), às 18h. Nessa entrevista ao Jornal do Commercio, Balkar fala sobre a importância de Bento Aranha para a imprensa amazonense e de seu pioneirismo no JC, onde escreveu durante seis anos, desde a sua primeira edição em 02 de janeiro de 1904.
Jornal do Commercio: Por que resolveu escrever um livro sobre Bento Aranha?
Luís Balkar: O Bento Aranha era pouco conhecido e, na verdade, só um de seus escritos, ‘Um olhar pelo passado’, ganhou edições anteriores. Como a história da imprensa é um dos meus temas de pesquisa, ele foi se tornando cada vez mais familiar para mim, e sempre que lia seus artigos na imprensa do Amazonas ou do Pará, ficava encantado, tanto com a pertinência de suas ideias quanto com sua crítica ácida e ferina. Em 2020, aproveitei a reclusão imposta pela pandemia para pesquisar sobre ele, lendo e compilando o que me fosse possível. Com um ano de pesquisa já havia coletado quase 400 escritos dele.
JC: Bento Aranha teve uma relação próxima com Tenreiro Aranha?
LB: Bento (de Figueiredo Tenreiro) Aranha nasceu em Belém do Pará, em 1841, e era filho do 1º presidente da Província do Amazonas, João Batista Figueiredo Tenreiro Aranha. Chegou, ainda menino, a acompanhar o pai quando este instalou a nova província, em janeiro de 1852. Era neto homônimo de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, destacado escritor e poeta de fins do século 18 e início do 19.
JC: O que descobriu, que chamou sua atenção, nos escritos de Bento Aranha?
LB: Bento Aranha me surpreendeu de diversos modos. Era um progressista preocupado com as condições sociais da população humilde, para quem os poderes constituídos davam pouquíssima atenção. Foi um defensor intransigente dos povos indígenas, denunciando as atrocidades da colonização e o extermínio desses povos. Por isso mesmo, foi sempre um crítico ácido das instituições e dos governantes, usando a imprensa para criticar a inação governamental, a corrupção política, o nepotismo e o contínuo assalto aos cofres públicos que os grandes oligarcas estavam acostumados a fazer. Não à toa, pagou caro por suas posições divergentes: foi perseguido, agredido, processado, preso e deportado diversas vezes.
JC: Qual a importância de Bento Aranha no tempo em que viveu em Manaus?
LB: Ao contrário de sua terra natal, de onde foi expurgado em 1864 por críticas que publicou contra o governador do Pará, Bento Aranha foi bem recebido no Amazonas, onde chegou em 1865, e seu pai já começara a ser reverenciado como uma espécie de ‘pai da Província’. Aranha era um jovem talentoso e com grande conhecimento de filosofia, literatura e, sobretudo, história. Na época da Província ocupou diversos cargos públicos, de professor primário a juiz municipal e promotor público. Idealizou e dirigiu inúmeras secretarias. Esteve por trás da iniciativa da construção do Teatro Amazonas, da Biblioteca Pública e do Arquivo Público, que administrou, criando inclusive uma revista da instituição. Mas foi por intermédio de suas crônicas políticas veiculadas na imprensa que ele se destacou. Escrevia proficuamente e estava sempre com artigos prontos, que distribuía pelos jornais de Manaus, Belém, Fortaleza, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Tinha leitores cativos que o adoravam pela contundência de sua crítica mordaz. Não por acaso foi eleito diversas vezes deputado provincial pelo Amazonas. No final do século 19 e início do 20, Bento Aranha era tido em Manaus como uma espécie de memória viva da cidade, e mantinha uma respeitabilidade invejável.
JC: O que ele escreveu sobre o abolicionismo e o republicanismo?
LB: Bento Aranha idealizou e participou de instituições, fundando periódicos políticos. Em 1870 ajudou a criar a Sociedade Emancipadora Amazonense, ocupando posições em sua secretaria e diretoria. Além da defesa da emancipação, a Sociedade notabilizou-se pela mobilização da população visando angariar recursos para a manumissão de crianças escravas. Já o vínculo de Aranha com o republicanismo é bem maior e perdurou até sua morte, em 1919. Ele se tornou republicano, na década de 1860, após uma breve estadia na Corte, onde conviveu com intelectuais e políticos. Em 1870 já animava o propagandismo republicano tanto de Belém quanto de Manaus, por meio da criação de diversos periódicos abertamente republicanos. Perseguidos, todos eles foram rapidamente empastelados. Aranha pensava na República como uma forma de governo revolucionária, capaz de transformar integralmente a sociedade e, portanto, de melhorar as condições de existência do povo, em especial os mais pobres. A República que se instaurou em 15 de novembro de 1889, não trazia nada disso, o que frustrou muitos republicanos históricos como Aranha, e os levou ao radicalismo. Aranha assumia-se como jacobino, e pautou sua vida pela luta por uma República ‘moralizada’, democrática, inclusiva e respeitadora da soberania popular. Isto também lhe valeu a oposição dos governos republicanos, como os da monarquia. Foi perseguido, silenciado e jogado ao ostracismo. Mas nunca se curvou.
JC: Bento Aranha escreveu no JC nos seus primeiros anos. Será que imaginou, mais de cem anos depois, ainda continuar sendo destaque nas páginas do jornal?
LB: Ficaria surpreso, principalmente porque os jornais de sua época tinham vida bem mais curta. Mas certamente ficaria feliz. O Jornal do Commercio foi um capítulo à parte na história de Aranha, onde atuou desde o 1º número até 1910, ora assinando matérias, ora na condição de redator. Foi amigo de seu proprietário, Joaquim Rocha dos Santos, com quem conviveu no parlamento provincial (ambos eram deputados) e em outros jornais mais antigos, como o Commercio do Amazonas. Fundado o JC, Rocha dos Santos o chamou para assinar colaborações diversas, desde artigos de crítica política e história até a redação de efemérides, conteúdo que chamava muita atenção na época.