Na década de 1960, quando nasci, o exército norte-americano perdia a guerra contra o Vietnã, revelando ao mundo uma arma militar biológica – o agente laranja, tão atroz quanto as justificativas do conflito.
Milhões de litros do desfolhante foram despejados naquele país, contaminando florestas, campos de arroz e até hoje, passados mais de 50 anos, há indícios nos solos e sedimentos dos restos tóxicos (de onde, infelizmente, entram na cadeia alimentar) deixados pela insanidade belicosa do Homem.
O tema foi tratado em uma reunião com o presidente da Câmara de Comércio Vietnã Brasil – VIBRA, Flávio Zacher, considerando nossa preocupação, enquanto Grupo de Pesquisa da Universidade do Estado do Amazonas, com as fronteiras amazônicas brasileiras.
A mesma arma biológica – uma mistura em partes iguais dos herbicidas 2,4,5-T e 2,4-D – foi e ainda pode estar sendo usada no combate as plantações do narcotráfico na Colômbia, Peru e Bolívia, mas, principalmente, na Colômbia.
O alerta não é recente.
Foi dado em 2016 pelo então Comandante Militar da Amazônia, general de Exército Theophilo Gaspar de Oliveira, no painel “Guerra na Fronteira”, quando afirmou e demostrou estar a Amazônia aberta para este e outros crimes como a exploração e contrabando de minerais, entrada de armamento e imigração ilegal.
“A Colômbia está usando o desfolhante ‘agende laranja’ para acabar com plantações de coca, mas, está poluindo, gravemente, o rio Solimões”, ressaltou o Comandante do CMA.
Tenho que concordar com o general quando assim exaltou: “temos um grande vazio (Amazônia) de órgãos de segurança em comparação com o Sul e Sudeste e parte do Centro-Oeste […] o Plano Nacional de Fronteiras simplesmente não existe […] estamos perdendo, pouco a pouco, a soberania do nosso país”.
Passam os anos, governos e o descaso com a Amazônia permanece, ou, piora…
A vigente desregulamentação do Sistema Nacional de Meio Ambiente e do Controle Ambiental, que agora está sendo revista pelo Supremo Tribunal Federal – STF, deixou sequelas no bioma que levarão anos para sua recuperação.
O desmatamento por grilagem descontrolado é, sem dúvida, incentivado por ações do Congresso Nacional, aprovando, a toque de caixa, por exemplo, o “PL do Veneno”, que, na justificativa de “modernizar” e “dar transparência”, aprovou em fevereiro último a destituição da ANVISA – Agência de Vigilância e Saúde e do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis como órgãos de controle na aprovação dos novos agrotóxicos, deixando, somente, o Ministério da Agricultura como responsável.
É deixar a raposa cuidando do galinheiro…
Quem nos garante que criminosos grileiros não estejam utilizando toxinas e desfolhantes proibidos na “manutenção dos seus pastos” no Sul do Amazonas, como fazem e/ou fizeram autoridades na fronteira colombiana?
Continuamos, amigo Theophilo, desguarnecidos, largados à própria sorte… contudo, nunca desanimados aos enfrentamentos da guerra insana e desconsiderada.
Entrincheirados em nossos laboratórios, os melhores equipados da América Latina, hoje podemos enfrentar, com Ciência e Tecnologia, o desafio do monitoramento ambiental da região transfronteiriça e, porque não, de toda a Amazônia.
Já é do conhecimento público a ousadia de pesquisadores e alunos da Universidade do Estado do Amazonas em lançar em 2022 o Programa de Monitoramento da Qualidade da Água, Ar e Solos – ProQAS/Amazonas, onde, um dos projetos – Monitoramento da Qualidade de Águas de Rios Fronteiriços e Transfronteiriços – contempla o reconhecimento da qualidade ecossistêmica da fronteira transnacional Brasil e Colômbia.
Está proposta a investigação de 24 rios e igarapés: rios Solimões, Içá, Puretê, Puruí, Japurá, Apaporis, Traíra, Tiquié, Inambú, Papuri, Uaupés, Surubi, Içana, Tocandira, Macacuni e Negro; e igarapés Tacana, de Belém, São Jerônimo, Cunha, Tatá, Amauá, Macapá e Ianá, numa linha de fronteira com extensão de 1.644,2 km.
Caro Theophilo, continuam a nos faltar recursos ao custeio das ações estratégicas à Amazônia, bem como, interesse das autoridades federais na solução da guerra por ti anunciada.
Se nada for feito, nossas populações amazônicas, indígenas e ribeirinhos, em sua maioria, continuarão sendo envenenadas, silenciosa e inocentemente, doentes, como a história contabilizou milhões de nossos irmãos vietnamitas no passado.
Diante da gravidade do problema que se arrasta há pelo menos seis anos, como amazônicos e amazônidas exigimos que Governos dos três níveis de poderes solicitem uma intervenção/auditoria das Nações Unidas e das Embaixadas das Nações que formam a OTCA – Organização do Tratado de Cooperação Amazônico.
Chega de descaso com nossa Amazônia!
Como rebeldes, continuamos atentos aos temas soberanos ao Brasil e a esquecida e ainda desconhecida Amazônia, certos, que, em outubro, poderemos escolher um novo destino mais responsável com vidas humanas e seus ecossistemas.