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Litigância climática: Se um dia, bem-feito para a Prefeitura

André Ricardo Costa

Professor da UFAM

A agenda climática tem ganhado contornos inusitados, e os tomadores de decisão precisam se preparar para algumas novidades. Na última semana foi notícia que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos condenou a Suíça em caso de “litigância climática” – uma inovação de processo que inventores causídicos estão ofertando nos mercados judicantes dos países desenvolvidos. 

Logo a Suíça, tão ciosa nas questões ambientais, nem de longe tão prejudicial à atmosfera quanto a China. Mas um grupo de idosas impetrou diante do tribunal europeu, reclamando serem especialmente afetadas pelas ondas de calor no verão, e o estado Suíço tinha culpa na medida em que se olvidara de perseguir metas de redução de emissão de gases de efeito estufa e de destinar recursos do orçamento governamental suficientes para promover uma sociedade mais favorável em termos climáticos.

Questiono quem tem maior sorte, se as idosas que passam os verões na Suíça ou a Prefeitura de Manaus por não lidar com esse grupo e essa Justiça, ao menos por enquanto. As ações de articulação e gestão diante do que vivenciamos no último verão amazônico estão mais centradas a mitigar prejuízos pelas restrições logísticas. Pouco está sendo feito na cidade quanto ao calor vulcânico de agosto a outubro, que afeta especialmente os mais frágeis, crianças e idosos.

As autoridades municipais de Manaus têm bons exemplos não muito distantes sobre o que fazer. Em destaque a cidade de Medelim, que cansou de sofrer com calores dos verões urbanos, e resolveu criar dezenas de corredores verdes. A cidade foi tomada por árvores ao longo das avenidas e jardins verticais nas praças. Conseguiu reduzir em cerca de 1,5º C a temperatura média da cidade como um todo e em 2,5º C a temperatura nas proximidades dos corredores. O custo total das obras foi de cerca de R$ 100 milhões. Feitas em Manaus, não seriam mais interessantes que pinturas coloridas e um, apenas um, mirante? Coisas tão “século vinte”.

A gestão manauara tem a faca e o queijo na mão para ajustar a configuração urbana com regras urbanísticas mais ambiciosas, nos tributos e nos processos de licenciamento e reconhecimento de propriedades, que incentivem verticalização, usos mistos, caminhabilidade, transporte por meios não motorizados, mobilidade aquaviária e ainda fugir da moda de punir os automóveis. Projetos que fariam de Manaus caso único no mundo, com seus habitantes mais felizes e produtivos. Tem inteligência, dá para fazer.

Não se vê algo efetivo para prevenir aquelas queimadas urbanas. Prosseguimos mais um ano em uma cidade despreparada para seus extremos frequentes, cheia e seca, temporais e queimadas. Poderíamos usar os igarapés e rios para forjar um diferencial diante de Medelim: Espalhar painéis solares e equipamentos de conversão hidrocinética para alimentar sistemas de irrigação a baixas temperaturas. O excedente de energia poderia ser distribuído a baixo custo para as populações menos favorecidas. Conforto térmico pode ser algo mais democrático.

Quem pensar que nossa realidade é distante de Medelim deve lembrar de exemplos mais próximos, como o corredor verde da Avenida Ruy Barbosa, de Itacoatiara, ou mesmo da nossa Avenida Getúlio Vargas, que estarão sempre em evidência do que pode ser feito e, enquanto não o for, deixará o prefeito sujeito à litigância climática. Quando essa indesejada chegar, que aplique seus sortilégios com coerência. Se de fato a prefeitura ainda estiver negligente, que leve um sonoro “pega-te, bem-feito!”.  

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