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Para alguns novos manauaras, Venezuela nunca mais

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Quem, em sã consciência, deixaria para trás duas boas casas e um terreno de 100 hectares a não ser que estivesse fugindo de um sinistro da natureza ou de uma guerra?

Pedro Ramirez, 55, deixou isso tudo, e muito mais, mas porque estava fugindo da crise econômica e política da Venezuela. Artista plástico conceituado no país vizinho, há menos de duas semanas o venezuelano chegou a Manaus e tenta ganhar a vida produzindo talhas de madeira e as expondo na calçada, atrás do mercado Adolpho Lisboa.

“Fiquei na Venezuela até enquanto deu para ganhar algum dinheiro com o meu trabalho, mas a situação ficou tão insustentável, que a única solução encontrada foi largar tudo e vir para Manaus”, contou.

“Há uns cinco anos eu já pensava em deixar a Venezuela. Há dois anos minha esposa faleceu, e antes disso não tinha como transportá-la numa viagem. Após a morte dela, a situação piorou demais em meu país e vi muita gente indo embora, várias falando sobre Manaus. Quando não deu mais, também parti. Quis vir logo após a morte dela, mas estava difícil até para sair de lá”, revelou.

Pedro nasceu e vivia na capital venezuelana de Caracas, onde tinha uma de suas casas. A outra casa e o terreno ficam em Monagas. Ambos os lugares com vista para o belo Mar do Caribe.

“Sou artista plástico. Pinto quadros, faço esculturas e talhas em madeira. Uma das minhas últimas obras produzida ainda na Venezuela foi uma fonte que jorrava água. Há pouco mais de um ano abri minha escola de artes, em Caracas, o Centro de Formacion e Arte Pedro Ramirez. Junto com outros colegas artistas, dávamos aulas de música, pintura, talhas em madeira, artesanato e pinhateria”, detalhou.

Na pinhateria os alunos aprendiam a fazer pinhata, ou pichorra, bonecos de papelão cujo interior se recheia com balas e bombons para que, geralmente em festas de aniversário, crianças, e mesmo adolescentes e adultos o destruam deixando cair no chão estas guloseimas.

Os filhos querem vir

Pedro também apresentava um programa de rádio na Gordon’s & Associados Rádio Y TV, na qual era diretor.

“Era um programa de opinião, onde eu criticava os desmandos do governo, mas a polícia vivia lá, nos intimidando até que agora, com o Maduro, foram lá e fecharam a rádio. Acho que só não me prenderam porque eu sou um artista conceituado na Venezuela. Tenho dois prêmios reconhecidos nacionalmente em meu país, a Águia de Ouro e o Tamanaco de Ouro, ganho em exposições”, lembrou.

Com uma pasta cheia de documentos, Pedro Ramirez comprova tudo o que fala. Um destes documentos, de 2011, mostra ter ele participado, na Argentina, do Primeiro Encontro de Artistas Plásticos do Mercosul, expondo suas obras como Embaixador Cultural de Monagas.

Ele também reclama que fez três grandes esculturas em madeira para o governo de Monagas e nunca recebeu o pagamento.

“Tudo isso foi enfraquecendo a minha escola. Chegamos a ter 120 alunos mas, pouco a pouco eles foram rareando até eu não ter mais condições de mantê-la, e a mim, financeiramente. Foi quando decidi que não dava mais para ficar na Venezuela. Ainda tentei vender minhas casas, meu terreno e meus pertences, mas ninguém tem dinheiro. As pessoas não têm dinheiro nem para comprar comida. Fugi de um lugar parecido com o inferno”, lamentou.

Pedro partiu deixando para trás outros bens mais preciosos: o casal de filhos, Yennyfer, 21 anos, e Danny, 19, e mais uma neta de dois anos, filha de Danny.

“Eles não vieram comigo porque ainda estão trabalhando em empregos relativamente bons, em Caracas, mas querem vir embora. Vim na frente para organizar as coisas por aqui, uma forma de ganhar dinheiro e um local para morar, então, os chamarei”, adiantou.

Venezuela nunca mais

De Caracas até Manaus, uma distância de mais de 2.200km, Pedro veio de carona. Deu uma parada em Pacaraima e seguiu para a capital amazonense. Em Manaus, ele está num local, na feira da banana, na Manaus Moderna, onde dorme. Pela falta de material para trabalhar, como tintas e pincéis, Pedro faz apenas talhas e outras peças com madeira.

“Uma amiga conseguiu algumas peças de madeira e é com elas, e com algumas ferramentas, que tenho feito estes trabalhos”, explicou.

“Até agora não vendi nenhuma peça, mas uma pessoa encomendou uma prancha com o nome do seu sítio, para colocar na entrada do local, e me pagou R$ 150. É pouco, mas para quem não tem nada, o pouco é muito. Acho que é porque as pessoas aqui gostam muito do colorido e minhas peças, por falta de tintas ou verniz, estão em estado bruto, na cor da madeira”, se contentou.

Apesar de não ter vendido nenhum dos seus trabalhos até o dia desta reportagem, Pedro disse gostar daquele lugar, na calçada, junto às grades da parte de trás do mercadão. Ele chega ao local às 7h30 e lá permanece até às 17h, sob o sol.

“O sol é bem quente, mas a gente aguenta”, falou, resignado, o artista que já expôs seus trabalhos nas melhores galerias venezuelanas.

“Se as coisas para mim derem certo em Manaus, vou ficar morando aqui de vez. Voltar para a Venezuela, nunca mais”, finalizou.              

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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