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Boi bumbá tradicional de Manaus completa 80 anos lutando pelas tradições

No dia 13 de maio o bumbá Tira Prosa completou 80 anos sem nunca deixar de existir. Teve altos e baixos, em sua trajetória, mas sempre manteve viva a tradição da brincadeira folclórica e continua resistente à invasão das modificações que os bumbás de Parintins acrescentaram às suas apresentações.

“Nunca concordei com as mudanças no que considero tradicional na brincadeira, como o ritmo da batucada, por exemplo. Enfrentei muita relutância, porque até os brincantes diziam que nossas apresentações tinham que ser idênticas às dos bumbás de Parintins”, falou Ronaldo Matos, presidente e proprietário do Tira Prosa.

“O máximo que aceitei foi uma mescla do ritmo de Garantido e Caprichoso com a batucada tradicional do Tira Prosa, no ritmo do batuque afro, isso nas apresentações durante o Festival Folclórico do Amazonas. Nas nossas brincadeiras, aqui no bairro de Santa Luzia, permanece o batuque, como há 80 anos”, completou.

Ronaldo, um apaixonado pelo Tira Prosa desde a infância, se orgulha em dizer que o seu bumbá permanece no mesmo ‘curral’ desde a sua criação, há oito longas décadas.

“Alguns dos outros cinco surgiram num bairro e depois foram para outro”, desdenhou.

Os outros cinco são Corre Campo, Brilhante, Garanhão, Galante e Clamor, que durante o Festival Folclórico do Amazonas se dividem em duas categorias: Máster A e Máster B. O vencedor do Máster B num ano, sobe para o Máster A no ano seguinte, enquanto o terceiro colocado do Máster A desce para o Máster B.

“Sou contra a competição. Para mim os bumbás deveriam apenas se apresentar para manter a tradição cultural sem precisar esse vencer aquele, mas sou voto vencido”, declarou.

Batalhas campais

Falando em competição, nas décadas de 1940, 50 e até 60, os bumbás costumavam promover verdadeiras batalhas campais quando se encontravam nas ruas sem, ou com pouca iluminação, de Manaus, no retorno das suas apresentações na praça General Osório, hoje gradeada e ocupada pelo Colégio Militar de Manaus. Muitos desses encontros eram propositais, e violentos, e o objetivo era destruir o boi rival, conforme noticiado pelo Jornal do Commercio, em 1947.    

“Um embate famoso aconteceu entre o Tira Prosa e o Veludinho. Um brincante deste boi, apelidado de ‘Perna de X’ foi excluído do grupo. Com raiva, passou a brincar no Tira Prosa e quando os dois grupos se encontraram numa noite de junho de 1947, ‘Perna de X’ começou a puxar versos ofensivos contra o antigo grupo. Nem demorou para começar a briga, publicada no Jornal do Commercio de 26 de junho de 1947, sob o título de ‘Touradas de bois bumbás’. Mais de 20 ficaram feridos”, revelou o historiador Nonato Torres.

O Tira Prosa surgiu da ideia de dona Marcelina, uma espécie de ‘agitadora cultural’ de Santa Luzia, que organizava os eventos sociais do bairro. Ela sugeriu ao genro, Francisco Santiago de Oliveira, o Tutu, um abastado empreendedor, armador e despachante de pescado, que criasse um bumbá. Rapidamente atendendo à sogra, Tutu mobilizou amigos e, no dia 13 de maio de 1944, o Tira Prosa foi fundado. Na véspera de São João daquele ano o bumbá fez sua estréia para o público saindo às ruas de Santa Luzia, como faz até hoje. Seu primeiro ‘curral’ foi na av. Leopoldo Neves, mas já em 1945 mudou para o campinho, atual praça da igreja de Santa Luzia, e lá permanece. No seu último dia de apresentação, o Tira Prosa vai até a igreja onde o padre realiza o seu batizado.

Paixão da comunidade

Durante os anos seguintes de sua criação o Tira Prosa teve vários ‘donos’.

“É porque funcionava assim. No último dia de apresentação do boi, se acertava para qual casa ele iria fugir e o dono dessa casa ficaria responsável em organizar a brincadeira no ano seguinte. E assim foi por anos, até a brincadeira ‘esfriar’, em 2004, quando o dono do boi encerrou a brincadeira. Em 2013 ele o vendeu para o Renê e, em 2014, o comprei. Desde então o tenho mantido, agora transformado em associação”, contou Ronaldo.

“Quando criança, na década de 1970, eu costumava ficar deitado no chão de madeira, da minha casa, também de madeira, ouvindo a vibração dos batuques dos bois que passavam pela Boca do Embora, indo para o Educandos, para a Cachoeirinha, ou aqui para o Emboca e aquele som se tornou muito familiar para os meus ouvidos a ponto de eu conseguir identificar qual boi se aproximava. Cada um tinha um batuque diferente”, recordou.

“Aqui na Santa Luzia todo mundo é apaixonado pelo Tira Prosa. Quando ele sai pelo bairro, o povo vai atrás e na frente dele, inclusive acompanhando o batuque batendo em frigideiras e pratos domésticos. Por sinal, o Tira Prosa foi o primeiro boi a usar vários tipos de instrumentos como matracas, rabecas, bandolim, caixolas (uma espécie de pandeiro quadrado), frigideiras, agogôs, reco-recos, pandeiros e até panelas. Eu mesmo produzo o tambor de mão, que só o Tira Prosa usa”, disse.

Em junho será lançado o CD do Tira Prosa, com 14 toadas, algumas clássicas, sob a direção de Náferson Cruz, diretor da Comissão de Artes. Nos dias 26 e 27 de julho o bumbá se apresentará no sambódromo, pelo Máster B, no Festival Folclórico do Amazonas.

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Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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