Brasileiro não dá valor aos seus verdadeiros heróis, e o amazonense não foge à regra, tanto que, tirando alguns pesquisadores e historiadores, ninguém mais sabe que o Amazonas teve duas heroínas durante a Segunda Guerra: Graziela Afonso de Carvalho e Semírames de Queiroz Montenegro. Elas não pegaram em armas para abater o inimigo, muito pelo contrário, se apresentaram espontaneamente para atuar como enfermeiras, salvando vidas. 73 enfermeiras brasileiras foram para a guerra de forma voluntária.
A primeiro-tenente Graziela era filha do ex-governador Raimundo Afonso de Carvalho (1907/1908). Ela seguiu para a Itália no primeiro escalão da FEB (Força Expedicionária Brasileira), em 2 de julho de 1944. Era a mais velha entre as moças, com mais de 50 anos de idade, tendo ultrapassado a idade máxima permitida, mas teve licença especial do Ministro da Guerra para ir adiante. Era chamada de ‘tia’ pelas demais colegas. Em 1º de novembro de 1944, Graziela escorregou enquanto atuava num dos alojamentos e bateu gravemente a cabeça tendo que ser trazida de volta para o Rio de Janeiro. A amazonense foi a primeira enfermeira da FEB agraciada com a Medalha de Campanha, em maio de 1945, recebendo-a no Hospital Central do Exército das mãos do presidente Getúlio Vargas. Foi também a primeira enfermeira da FEB a falecer, em 27 de junho de 1962.
Semirames seguiu para a Itália no segundo escalão da FEB, em 22 de setembro de 1944, e optou pelo Corpo de Enfermeiras do Transporte Aéreo, cuja função era buscar pacientes na Itália e dar assistência aos mesmos durante a viagem de avião até o Brasil, ou aos Estados Unidos. Após o fim da guerra, foi desconvocada e, em 1957, reconvocada para servir na Policlínica Central do Exército onde terminou seu tempo militar, tendo passado para a reserva no posto de capitão. Voltou para Manaus, casou e teve um filho.
Sem sobrenome
A expedição dos suíços Louis e Elizabeth Agassiz ao Brasil e à Amazônia, entre 1865 e 1866, é uma das tantas que os europeus fizeram à nossa região em busca de conhecer os seus mistérios, mas a de Louis tem uma característica única. Ele contou com o apoio de uma mulher nas suas descobertas: Alexandrina, descrita em seu diário como ‘uma mistura de sangue índio e sangue negro’. Por trás das pesquisas científicas de Agassiz estava o interesse em comprovar seu pensamento criacionista cristão de que a humanidade –fruto da criação divina –era formada por diferentes espécies independentes e jamais mescláveis entre si, por isso o interesse do suíço em recrutar Alexandrina, em Tefé, para fazer parte de sua expedição, inicialmente para realizar trabalhos domésticos, porém, logo notada por seus conhecimentos. Ele acreditava que ela ‘parecia reunir a inteligência do índio à adaptabilidade maior do negro’.
E a cafusa (mistura de índio com negro) provou ao pesquisador que sua teoria sobre a miscigenação ser o principal fator da degeneração das raças humanas não valia nada quando se tratava de experiência. Alexandrina, sem nunca ter pisado numa escola, sabia identificar todas as espécies de plantas existentes na região, conforme Elizabeth escreveu em seu diário: ‘ela distingue imediatamente as menores plantas em flor ou em fruto. Agora então que ela sabe o que eu procuro, é uma auxiliar muito eficiente’. Alexandrina trazia aos pesquisadores tão rapidamente, e tantas espécies de plantas, que os desenhistas da expedição não conseguiam acompanhar a sua velocidade.
Alexandrina, sem sobrenome, foi esquecida pela história, registrada apenas nos escritos do casal de suíços.
No pedestal
Terezinha Gonçalves Morango conseguiu se manter em evidência por décadas, afinal, ela realizou um feito nunca atingido por outra mulher amazonense antes dela, e mesmo depois, por 61 anos. Terezinha Morango foi eleita Miss Brasil, em 1957, numa época em que ganhar esse título era levar a vencedora ao Olimpo, ao lugar mais alto do glamour, ao mundo das celebridades. Não bastasse ter nascido no distante município de São Paulo de Olivença, em 26 de outubro de 1936, Terezinha Morango ainda veio ao mundo na comunidade Canavial, longe da sede do município.
Mas seu destino estava traçado. Adolescente, em Manaus, a garota sempre chamou atenção pela beleza inocente. O primeiro concurso ganho por ela, em 1953, quando estava com 16 anos, foi o de ‘Rainha dos Estudantes’, no Instituto de Educação do Amazonas. Depois viria o de ‘Rainha dos Calouros’, em 1954, no Colégio Estadual, atual Colégio Amazonense Dom Pedro II. Em 1955 Terezinha foi convidada a participar do concurso de Miss Amazonas, cuja vitória era o passaporte para disputar o Miss Brasil, mas recusou. Só mudou de ideia quando, naquele mesmo ano, Marta Rocha, eleita Miss Brasil no ano anterior, visitou Manaus e por onde passou foi recebida com aplausos de fãs e admiradores. Em 1956 Terezinha foi ao Rio de Janeiro disputar o Miss Cinelândia, e ganhou. Lá mesmo, em 1957, recebeu o convite, feito pelo Atlético Rio Negro Clube, para disputar o Miss Amazonas daquele ano. Confiante, agora a garota aceitou. Não só venceu o Miss Amazonas, como o Miss Brasil e por pouco não foi Miss Universo, ficando em segundo lugar. Terezinha Morango morreu em 13 de março de 2021, com 84 anos, sem nunca descer do pedestal onde subira.
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