Pesquisar
Close this search box.

Uma vez Cassina, sempre Cassina

Uma vez Cassina, sempre Cassina

Primeiro, Café Restaurant Amazonense, em 1894; depois café, restaurante e pensão, em 1896; em anúncios de 1899 já aparece como Hotel Cassina; e desde 18 de novembro de 2020, Casarão da Inovação Cassina, um centro de empreendedorismo e inovação de desenvolvimento tecnológico para fomento de startups.

Casarão da Inovação Cassina é um centro de empreendedorismo e inovação de desenvolvimento tecnológico

Quem chega à praça D. Pedro II, não deixa de notar o imponente prédio do Casarão de Inovação Cassina. Por quase seis décadas abandonado, permaneciam em pé apenas suas paredes externas. O telhado, o piso entre o primeiro e o segundo andar e as paredes internas há muito haviam desabado. Agora, o prédio possui salas de reuniões, espaço coworking com 54 estações, sala de amostra, duas salas de co-criação, lounge, sala de formação e espaço café, no terraço. Ao longo da instalação, jardins naturais no terraço, 1º pavimento, térreo e subsolo.

 Espaço café, no terraço do Cassina

Conforme descrito no livro ‘Caminhando por Manaus’, “no segundo pavimento, cada janela possuía uma pequena sacada com parapeito de ferro forjado”. Estes parapeitos se perderam com o tempo. Apenas um deles restou servindo como objeto de decoração na sala de recepção do Casarão.

Mesmo cercada por um misto de prédios restaurados e abandonados, a praça D. Pedro II é um belo e aprazível lugar e mais ainda o era quando o Hotel foi inaugurado. Segundo Otoni Mesquita em seu livro ‘Manaus, História e Arquitetura –(1852-1910)’, “nos primeiros anos do século 20, a praça, agora denominada D. Pedro II, era ainda a mais importante da cidade e nela se desenvolvia uma programação musical todos os domingos, quintas-feiras e feriados quando a banda do Regimento Militar do Estado se apresentava das 6 às 9 da noite, atraindo grande quantidade de pessoas”.

Cassina  esteve, por quase seis décadas, abandonado, com apenas suas paredes externas em pé

Hóspedes ilustres

 Segundo o historiador Mário Ypiranga Monteiro, o Cassina foi mandado construir pelos irmãos italianos de sobrenome Cassina, sendo que Andréa era o proprietário principal. A ideia dos irmãos parece ter sido mesmo a de construir um hotel de porte e qualidade, como Manaus não tinha na época, para atender a demanda de pessoas que chegavam à cidade em busca, principalmente, de ganhar dinheiro com a borracha. Os italianos devem ter percebido que uma grande parcela desses milhares de imigrantes trazia dinheiro e estava disposta a pagar bem para se hospedar confortavelmente. Nem demorou para o Cassina fazer sucesso, até porque pelos seus corredores podiam ser encontrados “grandes nomes do teatro lírico universal vindos a Manaus na época do fausto”, relatou Mário Ypiranga. Outros nomes ilustres que se hospedaram no Hotel foram Domenico de Angelis e Crispim do Amaral (o primeiro, pintor italiano e o segundo, cenógrafo e decorador brasileiro, ambos tendo trabalhado no Teatro Amazonas quando de sua construção entre 1893 e 1896). Em 1899, o escritor Coelho Neto, então no auge de sua carreira literária, ficou no Cassina, bem como o aventureiro espanhol Luis Galvez, “quando tramava com os políticos e aviadores amazonenses a conquista dos seringais bolivianos e a fundação do Estado do Acre”, escreveu Luiz de Miranda Corrêa no livro ‘Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro’. Outros hóspedes ilustres: Plácido de Castro, em 1904; Cândido Rondon, em 1906 e 1910; e Charles Robert Richet, Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 1914.

‘Mais que um hotel, o Cassina também era uma casa de prostituição, mas, diferente da que ocorria nas ruas, era uma ‘prostituição oficial’, que não sofria com as sanções da municipalidade e seus Códigos de Postura. Uma fatia considerável de seus frequentadores eram homens que geriam os negócios da cidade e que dominavam a máquina pública. Buscavam no Cassina as prostitutas de luxo’, escreveu o historiador Fábio Augusto.

Derrocada, década após década

Aproveitando para faturar ainda mais com o rico dinheiro de seus hóspedes, o Cassina também teve um cassino, cantado no samba-enredo da escola de samba Sem Compromisso, no Carnaval de 1983, com letra de Aníbal Bessa e Rinaldo Buzaglo, que dizia “Hotel Cassina, da roleta e do bacará / Onde os boêmios jogavam / Sem compromisso / De perder ou ganhar”…

Mas, seguindo a velha máxima de que ‘tudo que é bom dura pouco’, o Hotel Cassina começou a entrar em declínio quando, em 1912, também entrou em declínio o comércio da borracha. Andrea havia morrido, em 1905 e o hotel foi reinaugurado naquele ano como Grande Hotel Cassina, sob a administração de Luiz Pinto & Cia. Em 1910 o prédio foi comprado por Fernandes & Cia; em 1913 seus novos donos são os sócios J. C. Leitão Melita, Aurélio Vallado Gomes e Jesus Muguey Fernandes; e em 1918 aparecem como proprietários Gomes, Telles & Cia.

O livro ‘Impressões do Brazil no Século Vinte’, editado em Londres, em 1913, dizia que o Cassina era iluminado por energia elétrica, tinha banheiros com chuveiro e 45 quartos. O salão de jantar podia receber 150 pessoas, e funcionários do hotel ficavam no porto, aguardando os passageiros dos vapores, para conseguir hóspedes. Automóveis e carros estavam disponíveis 24 horas.

Renascimento e ressurgimento

Pela década de 1920, segundo o livro ‘Caminhando por Manaus’, o Cassina desceu ainda mais os degraus de sua derrocada, primeiro se transformando numa pensão e depois num cabaré. Se antes só os abastados financeiramente bebiam e dançavam pelos seus salões, agora era a ralé que se divertia no mesmo lugar do glamour de outrora. No térreo aconteciam as danças e quem queria jogar, se dirigia para o andar superior. Até o nome importado o Hotel perdera e agora era conhecido como Cabaré Chinelo, talvez, numa alusão a ter chegado à condição mais baixa que poderia chegar, o chão, como os chinelos. Em 1930 sua mobília foi a leilão: camas de ferro, balcões, carrinhos de mão para bagagem e outros objetos.

Mas a derrocada, do agora Cabaré Chinelo, continuava. Nos anos de 1940 decaiu mais ainda tornando-se lugar de prostituição ‘barra pesada’.

Finalmente, em 1964, quando os militares tomaram o poder no país e impuseram regras de moral e bons costumes, o Cabaré Chinelo encerrou suas atividades de jogatina.

A década de 1980 pareceu ser a última do prédio. Sua cobertura desabou por completo, enquanto esquadrias e guarda-corpos fundidos foram roubados. Em 1993 a prefeitura teve que intervir no local realizando obras de estabilização e reforço estrutural antes que a estrutura desabasse por completo. Na década de 2000 os vãos inferiores do prédio foram fechados com alvenaria e desde então ele assim ficou.

Finalmente, em 24 de junho de 2015, o Hotel Cassina começou a renascer ao ser desapropriado pela prefeitura e ressurgiu, como sempre, imponente, em 18 de setembro de 2019 quando foram iniciadas as obras para transformá-lo no atual e moderno Casarão de Inovação Cassina.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
Compartilhe:​

Qual sua opinião? Deixe seu comentário

Notícias Recentes

Pesquisar