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Alfândega, 112 anos sem comemorações

Alfândega, 112 anos sem comemorações

Seis anos depois e o belo prédio onde funcionou a Alfândega por mais de cem anos, continua fechado e desocupado, sem uma utilização digna de sua importância histórica para a cidade. No dia 17 a inauguração festiva do prédio completou 112 anos, descrita assim pelos jornais de 1909.

‘Inaugurada, às oito horas da manhã, a Alfândega (nova). O prédio foi pré-fabricado em Londres. O Dr. Ângelo Xavier da Veiga abriu a porta com uma chave de ouro. O batalhão da polícia estadual salvou com sua artilharia’. Ângelo Xavier da Veiga foi o inspetor da Alfândega de 1908 a 1909.

A pedra fundamental do prédio foi colocada no lugar onde está até hoje em 27 de junho de 1906 e, pouco mais de dois anos depois, em 1908, a edificação era concluída. 

A história do prédio começou com a necessidade da construção de um porto digno para a cidade, rica devido ao comércio da borracha. Tanto para escoar a grande produção de borracha quanto para receber os inúmeros produtos importados, Manaus precisava de um porto maior e melhor, daí que, em 1899, um edital do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas convidava os interessados em realizar obras de ampliação e melhoria do porto. Ganhou a concorrência, a firma inglesa B. Rymkiewicz & Co., do barão Bromistau Rymkiewics, que assinou contrato em 1900. 

A guardamoria e a Alfândega: história do prédio começou pela necessidade da construção de um porto

Dois anos depois, por não conseguir cumprir algumas cláusulas do contrato, a firma de Rymkiewics passou o mesmo para a empresa inglesa Manáos Harbour Limited. Uma cláusula desse, provável, novo contrato incluía a construção, e doação para o governo do Estado, de um edifício para a alfândega, que funcionava na cidade desde 1868. 

O prédio na planta 

Trilhos do bonde que cortavam ruas à frente da antiga Alfândega

Em 1903 o engenheiro-arquiteto inglês Edmund Fisher finalizou a planta e o orçamento desse edifício, mais o da guardamoria, e somente dois anos depois, em setembro de 1905, o presidente da república, Rodrigues Alves (1902/1906) aprovou a construção de ambos. 

Nove meses mais se passaram até a pedra fundamental, surgir para a história, assentada no dia 27 de junho de 1906 numa solenidade em que, além de outros representantes da esfera estadual e federal, estavam presentes o então governador do Amazonas, Antônio Constantino Nery (1904/1907) e o presidente eleito Affonso Penna (1906/1909). Affonso Penna só tomaria posse em 15 de novembro daquele ano, mas se tornou o primeiro presidente da república a visitar oficialmente a capital amazonense. 

Com 112 anos de existência, o prédio da Alfândega continua a ser um dos mais belos de Manaus, majestoso e imponente. Quando de sua instalação, a alfândega de Manaus era uma das mais importantes do Brasil, graças ao intenso comércio de borracha, mas no ano seguinte, em 1910, a exportação do produto entrou em decadência, reduzindo brutalmente a renda da aduana. 

Com 112 anos de existência, o prédio da Alfândega continua de pé

O curioso do prédio é que, inexplicavelmente, ele foi construído com a lateral direita para a rua, mas as curiosidades fazem parte de sua história desde quando ainda nem existia. A principal delas é ter sido inteiramente pré-fabricado na Inglaterra, então uma grande potência mundial, na cidade de Liverpool. As peças do futuro prédio, blocos de granito ornados com basalto amarelo, foram trazidas de navio, via oceano Atlântico, para serem montadas em Manaus, uma cidadezinha de pouco mais de 50 mil habitantes, porém rica, incrustada na floresta. Com isso o prédio da Alfândega se tornou um dos primeiros do Brasil, senão o primeiro, segundo alguns historiadores, inteiramente pré-fabricado e montado no país. 

A imensa escadaria 

Ultrapassando a grande porta de entrada do prédio, dá-se de cara com uma bela escadaria, com as laterais em ferro fundido, trabalhado, possivelmente tão firme como no dia em que foi assentada naquele lugar. No livro ‘Entidades e Monumentos do Amazonas’, Gaitano Antonaccio escreve que os degraus da escadaria são de madeira de lei e foram colocados na estrutura de ferro fundido pelo imigrante libanês Nagib Said Makaren, um marceneiro que morava em Manaus e trabalhou em diversas outras residências da capital. Nas duas colunas principais da escadaria, duas estátuas representam a Indústria e o Comércio. 

Subindo as escadarias, mais uma curiosidade do prédio vai surgindo. Quem o olha pelo lado de fora, tem a impressão que ele possui apenas dois andares. No seu interior, porém, além do andar térreo, existem mais três pisos, e todos com altos pés direitos. 

Nas paredes da sala de recepção, seis placas em mármore alusivas à inauguração do prédio em 1908, à instalação da alfândega em 1909 e a uma recuperação acontecida nele em 1979. Uma delas, no entanto, chama mais atenção, pois lista todos os primeiros funcionários da instituição quando da sua instalação.

A guardamoria 

O prédio da guardamoria quase não é percebido por quem passa pela rua Marquês de Santa Cruz, do lado esquerdo da Alfândega, mas ele está lá, independente, com uma pequena torre que se destaca do conjunto arquitetônico. 

De acordo com o dicionário do Aurélio, guardamoria era uma repartição anexa às alfândegas, incumbida da polícia fiscal nos portos e a bordo dos navios.  

No alto da torre da guardamoria de Manaus está instalado um farol construído em aço. Quando era usado, a iluminação de arco voltaico do farol produzia uma luz de grande intensidade. 

Em seu livro ‘Manaus, História e Arquitetura, 1852-1910’, Otoni Mesquita escreve que a guardamoria é “uma pequena construção, tratada com as mesmas características do prédio principal e contendo uma torre de menagem (…). Esta construção é uma evidente referência a dois palácios góticos italianos, o Palácio Público de Montepulciano e o Palácio de Priori em Volterra, enquanto que o aspecto geral do prédio principal lembra o Palácio Strozzi, em Florença, e o Palácio Publios, em Siena”. Interessante os prédios terem sido mandados construir na Inglaterra, porém, com estilos de palácios italianos. 

Bem antes do prédio principal, o térreo, mais os dois pisos e o farol da guardamoria já estavam desativados. A construção também possui peculiaridades só dela, como, por exemplo, a escada em caracol, inteiramente em ferro fundido, que vai do térreo até o farol. Algumas raras peças em seu interior podem estar ali há um século, ou quase isso, como uma pia, em estilo antigo e com o nome do fabricante: Doulton & Co., e a cidade de origem: Londres. Além da pia, um cofre, um armário, e os azulejos do piso. 

Do terceiro andar da guardamoria a visão do rio Negro é fantástica, digna de o local ser transformado num ponto de atração turística. 

Quando a pedra fundamental da Alfândega completou cem anos, em 2006, falou-se em abri-la para verificar se em seu interior, como era comum antigamente, haviam colocado objetos da época: jornais, livros e qualquer outro que servisse de referência para quem no futuro viesse a descobri-los, mas o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), alegando que tal abertura poderia danificar a peça secular, recusou-se a fazê-lo.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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