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No Dia do Folclore, Nonato Torres explica sobre o que é folclore

No Dia do Folclore, Nonato Torres explica sobre o que é folclore

Raimundo Nonato Negrão Torres é historiador, atuando no folclore amazonense desde 1977 quando começou como brincante em danças regionais. Atuou, e atua, ora coordenando, ora organizando ou dirigindo, o bumbá Garanhão, o Festival Folclórico do Amazonas, os Bumbás de Manaus e o Carnaval. Nesta entrevista ao Jornal do Commercio Nonato explicou que o folclore é bem mais abrangente do que imaginamos.  

Jornal do Commercio: Hoje, dia 22, é o Dia do Folclore. Mas o que é o folclore?

Nonato Torres: O termo folclore vem da junção de duas palavras saxônicas folk (povo) e lore (conhecimento ou ciência) e que apareceu pela primeira vez em 22 de agosto de 1946 (por isso a data é comemorada), utilizada pelo inglês William John Thoms. A idéia de Thoms era dar nome a riqueza que vinha da literatura popular, investigada por ele na época. Folclore é a ciência que estuda tudo aquilo que envolve tradição, e é expressada em forma de crenças, lendas, provérbios, gestos, costumes, artesanato, culinária. Para se saber se é folclore, algumas características têm que ser contempladas, quando não sabemos quem é o autor do fato, por exemplo.

JC: Em Manaus temos o Festival Folclórico, com várias danças, e as pessoas acham que folclore seja só aquilo.

NT: Folclore é toda forma de se expressar do povo, como bater na madeira dizendo ‘isola’ para afastar o mau agouro ou entrar em qualquer local com o ‘pé direito’, ou a forma como se prepara o tacacá ou o moqueado de peixe, ou até mesmo o gosto pelo bodó. O nosso Festival nasceu com características de concurso, onde as diversas modalidades de danças folclóricas comportam-se nem sempre como leais e elegantes adversários, chegando às vezes a ser rivais mesmo. A quantidade enorme de grupos folclóricos, que nem sempre primam pela qualidade de suas expressões folclóricas, levam ao afastamento do público, embora algumas modalidades se esmerem em preparar um verdadeiro espetáculo.

JC: Em Manaus, o que se caracterizaria como folclore? E no Amazonas, seria o Festival de Parintins?

NT: Em Manaus ainda temos manifestações como o mastro na festa de São Benedito, celebrado pelo Quilombo do Barranco de São Benedito, na Praça 14; a Festa dos Pães, mantida pela Capela do Pobre Diabo, na Cachoeirinha; o almoço para os cães na celebração de São Lázaro, no bairro de mesmo nome; no dia de São Cosme e Damião ainda se vê algumas pessoas, e também terreiros, distribuir doces para as crianças. Também são folclore, embora pouquíssimas, as rezadeiras e as pegadoras de desmentiduras. Na culinária temos o preparo do tacacá, da tapioca, a caldeirada de tambaqui e bodó. Se benzer quando o ‘rasga-mortalha’ passa por cima de casa, colocar uma fita vermelha no braço de uma criança contra mau olhado, usar azougue nessa fita. Tem o artesanato. Em Parintins, nas localidades ribeirinhas em torno da ilha, ainda se vê ladainhas nas festas alusivas aos diversos santos. O Festival de Parintins como folguedo, é apenas atrativo para alavancar o turismo e economia da região, pois o espetáculo em si, em muito já se afastou do folclore, pois a meu ver, ao não dar importância ao ponto central da brincadeira, que é o auto do boi, deixa de ser festa de boi bumbá, se bem que cerca de três anos pra cá, tem-se visto um esforço em voltar às raízes.

JC: Costumes também são folclore. Quais os costumes mais comuns entre os manauaras?

NT: O manauara tem mantido o costume de se banhar na praia, como na Ponta Negra. O costume de soltar papagaio ainda é evidente nos diversos bairros da cidade. Pessoas fazem jejum na Semana Santa e não comem carne na Sexta-Feira Santa, outras recebem palhas no Domingo de Ramos e as transformam em cruz para fixar atrás da porta para proteção do lar. Pouco se vê ainda a malhação de Judas, e não é mais possível surripiar galinhas e patos do vizinho, como antigamente.

JC: Lendas, temos de sobra. Quais são as genuinamente nossas, herdadas dos indígenas?

NT: Nossas mesmo são as lendas da vitória-régia, do uirapuru, do guaraná, do açaí, da mandioca, diversas e ricas dos povos do alto rio Negro, como a da Cobra-Canoa, dos Dessana, ou do Jurupari, temos ainda a do Tambatajá, do Curupira, o 7 Estrelos, e por aí vai.

JC: Resumindo, o folclore nunca acaba, ele se modifica de acordo com as mudanças da sociedade.

NT: Como é expressão da experiência popular, é sempre atual, acompanha a constante evolução, as mudanças da cultura da sociedade. O folclore é dinâmico, porém mantém sua essência, sua raiz. Os costumes podem se modernizar, mas a memória do fato permanece. O fato folclórico, como expressão da vida peculiar de uma comunidade, não acompanha a moda. Somente o que é popular é folclórico e o folclore é o retrato vivo dos sentimentos populares e até reações do povo ante as transformações sociais.

JC: O Educandos, bairro onde você nasceu e vive (e fez aniversário ontem), tem um rico folclore.

NT: O Educandos começou sua ocupação com a escola para crianças índias, depois vieram os nordestinos e pescadores e também teve forte influência de moradores iniciais que cultivavam a cultura popular. Aqui nasceu a procissão de São Pedro, por intermédio da colônia de pescadores. Tinha o Brigue Independência e, na Serraria Amazonas, os componentes do famoso Bloco da Mocidade se fantasiavam para, em cima de um caminhão, desfilar na Eduardo Ribeiro, no Carnaval. O então bairro de Constantinopólis foi berço de muitas manifestações folclóricas como os bumbás Veludinho e Dois de Ouro, a Dança Regional Caninha Verde e Amazonense, Dança do Batuque, Tocandiras e Candomblé, a escola de samba Em Cima da Hora e Uirapuru, quadrilha Vitor e Vitória Banda da Bhaixa da Égua, Boi Bumbá Garanhão, enfim.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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