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Dr. Wuelton Monteiro aponta risco com cobras no Amazonas

Dr. Wuelton Monteiro aponta risco com cobras no Amazonas

O pesquisador do IPCB/FMT-HVD (Instituto de Pesquisa Clínica Carlos Borborema/ Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado), em Manaus, Dr. Wuelton Monteiro, foi classificado como a principal referência em pesquisa em ofidismo do Brasil, de acordo com levantamento do ranking internacional Expertscape. Ofidismo é o quadro de envenenamento decorrente da picada de serpentes, evento comum na região amazônica. Ao Jornal do Commercio, o pesquisador falou sobre a importância dessa classificação e como está a situação do ofidismo na Amazônia.

Wuelton é referência em pesquisa de ofidismo no Brasil

Jornal do Commercio: Como surgiu esse seu interesse por um animal, em muitos casos venenoso, e que causa repulsa na maioria das pessoas?

Wuelton Monteiro: A pesquisa em animais peçonhentos realmente não atrai grande número de profissionais da área de saúde. Eu mesmo venho de outra área, sempre trabalhei com parasitoses humanas. Trabalhando na Fundação de Medicina Tropical, referência na área desde a década de 1970, verificamos que o tema vinha sendo negligenciado por nós mesmos. Esse é um problema de saúde que acomete milhares de pessoas por ano no Brasil, com dezenas de óbitos. Dados do Ministério da Saúde mostram que no Brasil, em 2018, foram notificados 28.842 casos de ofidismo, sendo que destes, 9.523 foram relatados na Região Norte. Estes dados mostram uma distribuição muito desigual do problema no território nacional, já que apesar de ter uma população de apenas 8.7% do total do país, 33% dos envenenamentos ofídicos ocorreram na Amazônia, ou seja, incidência cinco vezes maior que no resto do país. Apesar disso, pouco conhecimento é produzido. Hoje eu tenho diversos alunos de mestrado e doutorado no tema, com um grupo de pesquisa muito grande e produtivo.

JC: A floresta amazônica é o habitat das cobras mais venenosas do Brasil?

WM: No mundo todo, mais de 3700 espécies de serpentes são conhecidas, das quais 730 são peçonhentas. O território brasileiro tem 406 espécies conhecidas, das quais 66 são venenosas, incluindo as corais e as víboras (jararacas, cascavéis e pico-de-jaca). Destas, cerca de 40 espécies ocorrem na Amazônia. Nessa região, cerca de 90% dos acidentes são causados pelas jararacas. As jararacas são muito adaptadas a todos os tipos de ambientes, desde florestas primárias até cidades, sendo muito abundantes em relação às demais serpentes. Na Amazônia ainda podem ocorrer acidentes por corais e pico-de-jaca. Acidentes por cascavéis podem ocorrer em algumas partes do território, em Roraima, Pará, Rondônia e, no Amazonas, na região de Humaitá.

90% dos acidentes são causados pelas jararacas

JC: O que é o Centro de Pesquisa Clínica em Envenenamento por Animais? 

WM: Apesar dos esforços realizados nas últimas décadas no Brasil para controlar o problema de envenenamentos ofídicos e escorpiônicos, ainda existem lacunas para o cumprimento dessa meta, particularmente na Amazônia. Um workshop realizado em Manaus, em 2013, com representantes das Secretarias de Saúde dos estados amazônicos, produtores de antiveneno, universidades, hospitais de referência e o Ministério da Saúde identificou gargalos de pesquisa. Desse workshop, houve uma proposta para criar a Rede de Ofidismo da Amazônia (ROdA). Como primeira ação prática da ROdA, buscou-se a formação conjunta e multidisciplinar de mestres e doutores que atuem nos problemas relacionados ao envenenamento ofídico sob os prismas clínico, toxicológico e ambiental. O fato de a FMT-HVD ser referência para esse tipo de agravo, atendendo cerca de 250 envenenamentos ofídicos por ano, e contar com grande experiência no desenvolvimento de protocolos clínicos para outras doenças tropicais, foi decisivo para a criação do grupo de pesquisa Centro de Pesquisa Clínica em Envenenamento por Animais. O objetivo do grupo é realizar pesquisas sobre as alterações do envenenamento no organismo, seu tratamento e a criação de procedimentos operacionais e a validação de protocolo simplificado de manejo de acidentes ofídicos. Hoje já formamos vários doutores e mestres, e diversos projetos estão em andamento. Em 2018, o grupo organizou o Seminário Nacional de Pesquisa Clínica em Animais Peçonhentos, em Manaus, com participação de pesquisadores nacionais e internacionais.

JC: Como está a situação de envenenamentos por ofídios no Brasil?

WM: O número de acidentes ofídicos no país possui uma tendência crescente, com uma média de 28 a 30 casos por ano. Essa tendência pode estar associada ao desmatamento para a expansão da pecuária, agricultura e extrativismo de todos os tipos, colocando as pessoas em contato mais frequente e próximo com as serpentes. 

JC: Vocês, também, pesquisam envenenamentos por escorpiões. Escorpiões são comuns na Amazônia?

WM: Fora da Amazônia, os acidentes por escorpiões são mais frequentes do que os acidentes por serpentes. Na Amazônia, os acidentes ofídicos predominam. Apesar disso, os casos de escorpionismo vêm crescendo na Amazônia nos últimos anos, possivelmente porque esses animais se adaptam facilmente nas áreas de expansão agropecuária e urbanas. Na Amazônia, ocorrem 27 espécies de escorpiões venenosos, e sete já foram descritos causando acidentes. Os acidentes por escorpiões são mais comuns justamente nas áreas modificadas pelo homem, com destaque para a região metropolitana de Manaus e no município de Apuí. Estes acidentes podem ser muito graves em crianças, com registros de óbitos.

JC: Já existem soros para todos os venenos de cobras? O que ainda se pesquisa a respeito desses animais e seus venenos? 

WM: Existem soros para os venenos de jararacas, pico-de-jaca, cascavéis e corais. Eficazes, esses soros são produzidos a partir de venenos de serpentes de fora da Amazônia, e não das nossas espécies. Assim, pode ser que sua capacidade de neutralizar os venenos das serpentes da Amazônia não seja tão grande. Buscam-se formulações de soro mais estáveis para ambientes tropicais, como a Amazônia. Esses soros poderiam ter validade maior, facilitando sua distribuição e conservação. Sabe-se que o principal fator de risco para gravidade e óbito é o atraso em receber o soro. Manter soros em unidades de saúde de menor complexidade, facilitaria o acesso às populações que vivem em áreas remotas. 

JC: Venenos de cobras só servem para a produção do soro antiofídico, ou têm outras propriedades? 

WM: O veneno de serpentes é um coquetel de proteínas que tem um enorme potencial biotecnológico. O estudo das toxinas abre várias frentes de pesquisa, desde sua ação sobre o crescimento de tumores, em microrganismos, no sistema vascular e na coagulação sanguínea. O captopril, por exemplo, remédio que combate a hipertensão, é feito a partir de venenos de cobras. Diversos outros estão em fases pré-clínicas.

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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