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“Doenças são formas do planeta se defender”

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Em 2004 o historiador e médico, Antonio Loureiro (atual presidente do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas), lançou o livro “História da Medicina e das Doenças do Amazonas”. Em tempos de dengue, zika e chikungunya, Loureiro explica, na entrevista a seguir ao JC, como as doenças chegaram à Amazônia e porque sempre se reinventam. Para ele, elas estão aí para combater quem tenta destruir o planeta.

Jornal do Commercio: É verdade que a Amazônia não tinha doenças endêmicas até a chegada dos colonizadores?
Antonio Loureiro: Vamos falar das chamadas doenças ditas tropicais, que na sua maior parte vieram para as Américas de outras regiões não tropicais do planeta. A Amazônia e o Brasil, embora fossem considerados paraísos pela sua salubridade, tinham as suas próprias doenças e entre elas: a necatorose, verminose da opilação, produzida pelo helminto Necator americanus semelhante ao europeu Ancylostomo duodenale; treponematoses, abrangendo três doenças principais: sífilis (Treponema pallidum), bouba ou piã (Treponema pertenue) e o puru-puru ou pinta (Treponema carateum); dermatomicoses, denominadas de titingas, ou Ptiriase versicolor; as tricomatoses, as chamadas Tíneas capitis, nódulos nos cabelos; e a leishmaniose tegumentar americana, as chamadas feridas brabas.

JC: A leshmaniose, tristemente nossa, resulta da derrubada das árvores, por isso é comum em invasões de terras.
AL: A leishmaniose tegumentar americana é transmitida pelo meruim e geralmente aparece após as derrubadas, desenvolvendo-se nos balseiros de restos da mata derrubada, por isso é tão comum até os dias atuais.

JC: E a malária, então, não é amazônica?
AL: Não. A malária terçã benigna, produzida pelo Plasmodium vivax, veio com os europeus, disseminada pelas legiões romanas na Península Ibérica; e a terçã maligna, do Plasmodium falciparum, veio da África, bem como a quartã.

JC: Nas suas pesquisas o Sr. descobriu que não foram só os colonizadores quem dizimaram os povos indígenas amazônicos, mas principalmente as doenças trazidas por eles.
AL: Sim. Mais do que as guerras, as doenças que mais mataram os índios, aos milhares, pela falta de resistência, foram as viroses (principalmente sarampo, coqueluche, gripe, varíola, catapora, vindas da Europa e África); febre amarela (da África); tuberculose (da Europa); e hanseníase (da Europa e África).

JC: Daqui a dois anos a epidemia de Gripe Espanhola, que se alastrou pelo mundo, completará 100 anos, e até hoje a gripe continua sendo um problema para a humanidade.
AL: O vírus da gripe é um vírus extremamente mutável e a cada mutação dele o organismo humano também tem que se adaptar produzindo novos anticorpos, pois cada mutação funciona como um vírus novo.

JC: Em 1918 a Gripe Espanhola (que dizem ter surgido nos campos de batalhas da Primeira Guerra Mundial, na Europa) chegou a Manaus. Como ela chegou aqui e quanto por cento da população manauara morreu em virtude da doença?
AL: A gripe espanhola começou nos Estados Unidos e daí foi para as trincheiras da Grande Guerra, em 1918, alcançando toda a Europa. Chamou-se de espanhola, porque foram os jornais espanhóis os primeiros a noticiarem a sua existência. A Armada Brasileira, que se dirigia para a guerra, foi totalmente atingida por ela em Dacar, no Senegal, não seguindo para o front. No Amazonas chegou no fim de 1918, fazendo quase duas mil vítimas registradas, em Manaus, embora muitos citem números em torno de 10% da população, ou seja, seis mil óbitos. Junto com o Rio de Janeiro foi a cidade mais atingida pela pandemia, talvez devido à crise da economia da borracha.
Em fevereiro de 1919 ela já desaparecera como se iniciara. Não existiam medicamentos a altura naquela época, usando-se limão, que atingiu cinco mil réis a unidade, uma fortuna, além do álcool alcanforado. Morria-se principalmente de pneumonia, com insuficiência respiratória.

JC: Dengue, zica e chikungunya são palavras novas em nosso vocabulário. O Sr. encontrou alguma informação sobre essas doenças no passado em suas pesquisas?
AL: A dengue é uma doença aparentada da febre amarela e veio da África, junto com o Aedes egyptii, acompanhando os navios negreiros. Os escravos perdiam as forças, ficando extremamente astênicos, daí serem chamados de dengosos ou tristes. Quanto à zika e chikungunya essas ainda não haviam sido identificadas, podendo ter ocupado o nicho ecológico deixado pela febre amarela.

JC: Na sua opinião, apesar de tantas pesquisas e tantas descobertas, ainda hoje vivemos tão suscetíveis a doenças como há 100, 200 anos?
AL: Com certeza que sim. Para mim essas doenças são formas de o planeta combater seres que ao destruírem o equilíbrio ecológico favorecem o fortalecimento e o aumento da virulência de espécies até então sem meio ambiente para o seu desenvolvimento.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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