26 de julho de 2024
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Pequenas amostras: estratégia

Pequenas amostras são decorrentes, basicamente, de duas situações. A primeira diz respeito à pequena quantidade de ocorrências do fenômeno que se quer estudar, compreender e explicar. É o caso, por exemplo, de um novo foco de gripe, cujos indivíduos contaminados habitam um mesmo espaço geográfico ou, dispersos, são em quantidade reduzida, entendendo-se o termo “reduzido” como aquele número que permite que todos os componentes da população possam ser identificados e contatados em um espaço de tempo reduzido e sem custos financeiros e esforços extremos. A segunda razão é respondida pela necessidade de se tomar uma parte de uma grande população com o intuito de estudo aprofundado de determinado fenômeno, sem qualquer pretensão de generalização. Neste segundo caso é necessário que se tenha em mente sempre o fato de que a ciência é universal, de maneira que uma explicação tem que valer para todo o universo populacional, de forma que as pequenas amostras não se prestam a esse intuito. Disso advém, portanto, o delineamento da estratégia para a coleta de dados de pequenas amostras.

O termo estratégia tem várias definições conceituais validadas pela ciência. Aqui está sendo utilizado no sentido de procedimentos a serem observados para a coleta de dados de pequenas amostras. O primeiro procedimento diz respeito à finalidade (caráter teleológico) do estudo. Se a população for pequena, a intenção precisa ser a generalização. Neste caso, todos os indivíduos precisam ser contatados e estudados, uma vez que qualquer processo de amostragem ou redução do tamanho da população invalidaria a generalização. Se a população for grande, a coleta de pequena amostra deve ter a finalidade de geração de compreensão aprofundada de determinado aspecto ou impacto do fenômeno sob investigação. A razão disso é que grandes amostras não permitem aprofundamento sobre as dimensões e categorias analíticas (análise estrutural) e tampouco os impactos que o fenômeno causa ou recebe (análises processuais, funcionais, relacionais e ambientais). Regra geral, todos os estudos de pequenas amostras precisam tratar os fenômenos em profundidade.

O segundo procedimento foca a forma de identificação dos indivíduos a serem contatados. Para as pequenas populações, nenhuma estratégia mais sofisticada precisa ser feita na maioria das vezes, a não ser o conhecimento de onde cada indivíduo pode ser acessado ou contatado. Se forem seres humanos, por exemplo, a comunidade ou endereço de onde pode ser encontrado; se forem objetos, os proprietários ou os órgãos oficiais que permitem o acesso a eles. No caso de grandes populações, por outro lado, é necessário o uso de técnicas aceitas pela ciência, ainda que a amostragem seja intencional, com a escolha de indivíduos que apresentem situações típicas. Isso inclui, para efeitos de exemplificação, o uso ou não de tábua de números aleatórios ou de estratégias do tipo “bola de neve”.

O terceiro procedimento é relativo à dinâmica da coleta dos dados. Os dados passíveis de serem coletados com o uso de instrumentos estruturados, como questionários e formulários, como altura, peso e outros de natureza mais objetiva, podem ter sua precisão aferida a priori. Por exemplo, é possível categorizar idades em a) menos de 10 anos, b) de 10 a 19 anos, c) de 20 a 29 anos e assim sucessivamente, mantendo sempre o mesmo intervalo categórico. Mas os dados de natureza subjetiva necessariamente precisam de muita atenção e habilidade para serem coletados. É o caso, por exemplo, percepção de pessoas sobre a eficácia de determinado estilo de ensino. Em estudos de pequenas amostras é praticamente impossível categorizar. A estratégia consiste em se fazer inúmeras perguntas até que se tenha uma compreensão a mais completa possível que permita a identificação dos dados gerados e sua necessária análise. Não é, portanto, uma única pergunta do tipo “qual é a sua percepção sobre a eficácia do estilo de ensino que a escola Delta pratica?” que vai gerar os dados em quantidade e qualidade passível de análise. E isso vale para todos os dados com alta carga de subjetividade.

O terceiro procedimento é a necessária separação dos dados sobre o fenômeno sob investigação e da percepção do respondente, no caso de seres humanos. A ciência sempre trata com os fatos e fenômenos do mundo. Embora possa lidar com a percepção em si das pessoas (como é o caso dos estudos sobre a dinâmica cerebral e mental na conformação do pensamento humano e do seu aprendizado), geralmente a ciência se preocupa com as coisas tomadas em seu conceito, em sua compreensividade. Por exemplo, estudamos a percepção sobre os estilos de liderança não para explicar o fenômeno da percepção, mas para explicar a liderança. Igualmente, podemos estudar a percepção da motivação para explicar a dinâmica perceptiva cerebral. Nesses dois casos, não importa o indivíduo em si e tampouco o caráter axiológico de suas respostas (questões de valores como bom, ruim, perfeito, imperfeito etc.). Não importa o que indivíduo acha das coisas, mas a coisa. Não importa se os indivíduos consideram a democracia nociva, mas a nocividade da democracia.

Os pesquisadores muitas vezes têm uma visão equivocada sobre as pequenas amostras. Muitos preferem consultar poucos indivíduos porque têm pavor de matemática ou estatística. Desconhecem o fato de que terão que fazer trabalho triplicado. Primeiro, para transformar dados categóricos em numéricos, proceder a análise numérica dos dados e depois verter novamente os resultados numéricos em categóricos. Mais ainda: estarão sob os ditames das mais complexas e exigentes técnicas microestatísticas, como o uso de Qui-quadrado, que as grandes amostram praticamente não apresentam. O uso de análise de discurso, por exemplo, apresenta uma série de desafios para se transformar em numérico. Isso tudo já faz parte das questões relativas à organização dos dados, mas que precisam ser definidas agora, na fase de coleta, e na fase anterior, de formulação das questões.

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