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O crime ambiental do Aterro controlado de Manaus

Daniel Borges Nava*

*Geólogo, Analista Ambiental, Professor Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade na Amazônia e Pesquisador do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA.

Li, atentamente, o interessante texto no Estadão do Dr. Ruy Marcelo intitulado “a máfia do lixo: inimiga da sustentabilidade e da economia circular”, e, me parece salutar discutir o tema no contexto de Manaus.

No principal questionamento do artigo, o nobre procurador do Ministério Público de Contas relaciona a ação de uma “máfia do lixo” com a incapacidade do Brasil em manejar de forma eficiente seus resíduos sólidos e eliminar os diversos lixões ainda em operação no país. Ao citar operações em Santa Catarina, revela-se o câncer nacional dos esquemas de propina na terceirização da coleta de resíduos, manifestos ainda, no lucro fácil advindo da falta de controle sobre a pesagem dos resíduos em balanças descalibradas.

Seria esse o contexto de Manaus?

Infelizmente, passada mais uma gestão da Prefeitura, acompanhamos o discurso insistente de defesa da sobrevivência de um “aterro descontrolado”, não conforme em diversos requisitos básicos previstos na Legislação Ambiental do Amazonas, e, o mais grave, operando sem licença ambiental desde 2016. 

E por que o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas – IPAAM não emite a licença ambiental há mais de 8 anos?

Primeiro, em função das condições de estabilidade do “morro de lixo”, que representa em relevo o ponto mais elevado da cidade de Manaus, uma cota aproximada de 150 metros numa área de 75 hectares que já sofreu, em sua história, quatro ampliações sem que fossem apresentados ao órgão de controle quaisquer estudos técnicos indicativos da segurança do maciço contra escorregamentos.

Segundo, pela falta de tratamento adequado ao chorume produzido, um vazadouro que dispersa sua pluma de contaminação nos igarapés lindeiros, afluentes do Rio Tarumã-Açú, desaguando na margem esquerda do Rio Negro, a montante onde funciona a tomada de água da Ponta do Ismael, fonte de abastecimento público da cidade.

Terceiro, pela sua posição geográfica, próximo ao Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, distante 8,5km do eixo da pista, quando a legislação exige a distância mínima de 20km para a segurança aeroviária em função da presença de aves, como os urubus.

Quarto, pela ausência de cuidados com a gestão dos gases oriundos da decomposição do lixo orgânico, componente que deve ser monitorado e quase sempre, nos bons projetos, aproveitado na geração de energia.

O Parecer Técnico nº272/2023 emitido ao Ministério Público do Estado do Amazonas pelo IPAAM, em 17 de novembro de 2023, foi taxativo: continuar a jogar lixo no aterro controlado de Manaus é crime ambiental.  

É desastroso pensar que a única solução proposta pela Prefeitura de Manaus seja a expansão do “aterro descontrolado”, ampliando o crime ambiental por mais 22 hectares, à revelia das recomendações do IPAAM de fechamento e remediação do local. Especialmente lamentável, quando se avizinha a COP de Belém, em 2025, e nossa Capital busca apresentar-se como cidade referência em sustentabilidade.

De volta ao artigo, o texto comenta sobre ações de sabotagem à Lei nº 12305/2010, da Política Nacional de Resíduos Sólidos, ao Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Decreto nº 11043/2022), e acrescentaria também, com a vênia do autor, ao novo Marco Regulatório do Saneamento (Lei nº 14.026/2020), ressaltando o que se denominou corrupção moral, entendida pela: “falta de interesse e comodismo dos atores, indiferentes à crise climática e à correlata necessidade emergencial de diminuição das externalidades e passivos socioambientais. Relutam, governos e empresas, em assumir a responsabilidade ESG e de compliance ambiental”.

Até quando soluções licenciadas em Manaus – a exemplo do aterro sanitário privado localizado no Km 13 da BR-174 – serão preteridas em favor da manutenção do status quo: a falta de transparência e perpetuação do crime ambiental?

Até quando recolheremos nos igarapés que cortam a cidade, toneladas e toneladas de lixo, a cada chuva forte, sem promover o mínimo de educação formal e informal, popular e comunitária, em favor ao correto manuseio do resíduo urbano, separando-o e estimulando nossa economia circular local? 

Não dá para naturalizar o problema do lixo em Manaus e achar que a solução está em implantar ecobarreiras nos igarapés… até quando continuaremos a enxugar gelo?

Espera-se nos planos de governo que ora estão sendo elaborados à Prefeitura de Manaus o olhar dedicado ao tema, sem subterfúgios quanto ao urgente enfrentamento do crime ambiental que vem sendo praticado pela operação sem licença do aterro controlado, aliado as visões econômica, ambiental, de educação e de saúde públicas exigidas à gestão dos resíduos sólidos urbanos.

Somos uma cidade que produz aproximadamente 2600 toneladas diárias de resíduos, equivalente a 290 caminhões coletores cheios. Corretamente coletados, de forma seletiva, não necessariamente porta a porta, numa operação insustentável economicamente, mas, em postos estabelecidos em supermercados e shopping centers, por exemplo, locais em que comumente frequentamos e podemos devolver resíduos plásticos, garrafas, etc., devidamente consorciados às associações de catadores e empresas de reciclagem, poderíamos como sociedade manauara praticar a tão necessária cidadania, cuidando melhor do ambiente urbano e dos nossos igarapés. 

Erradicar lixeiras viciadas, denunciando e punindo os malfeitores parecem tarefas simples, objetivas e alcançáveis num mandato de prefeito. Fácil também é coletar o lixo da casa das pessoas. 

Difícil, caros leitores, é retirar o lixo de dentro dos corruptos e mal-educados.

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