26 de julho de 2024
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Mineração em terras indígenas

Participei no último dia 10 de junho do GEODEBATES 63 Mineração em Terras Indígenas: aspectos legais e desafios futuros, promovido pela Federação Brasileira de Geólogos – FEBRAGEO. 

Claudio Scliar (ex-secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do MME, nos anos de 2005 a 2012) e Márcio Santilli (sócio fundador do Instituto Socioambiental – ISA) construíram comigo uma análise crítica sobre tema.

Entre divergências e convergências, todos reconheceram que o Legislativo brasileiro tem uma dívida de mais de três décadas com as populações indígenas: a falta de regulamentação de atividades produtivas em Terras Indígenas, entre elas, a de mineração (prevista nos artigos 176º e 231º da Constituição Federal), expõe as etnias à própria sorte na defesa de seus territórios.

A recente autorização do envio das Forças Nacionais às reservas Yanomami e Munduruku dá o tom da gravidade dos conflitos.

Caros(as) leitores(as), a mineração em Terras Indígenas sempre existiu na Amazônia e na América.

A lavra de argila para produção de ferramentas cerâmicas estudadas pela arqueologia amazônica demonstra a riqueza da indústria lítica praticada há mais de 12 mil anos pelos nossos ancestrais. 

Em museus do Equador, do Peru e altiplanos andinos são observadas máscaras, adornos, etc., talhados em ouro, cobre, platina…, no trabalho de mineradores ameríndios que, embora não dominassem o ferro, praticavam mineração com maior valor de uso.

Alguns pesquisadores, inclusive, creditam que a extinção de algumas civilizações pré-colombianas deu-se porque suas culturas não dominavam o ferro, sendo abatidas pelas armas e atrocidades dos colonizadores europeus. 

Nas “Veias Abertas da América Latina” lemos o relato de Galeano sobre Potosí (atual Bolívia), onde a mineração predatória da prata deixou no interesse do Velho Mundo mais de oito milhões de cadáveres de índios. 

De fato, o modelo predatório da mineração pode ainda estar reproduzido em casos isolados, como Mariana e Brumadinho, onde interesses empresariais financistas sobrepujaram a correta gestão do risco operacional, controle ambiental e saúde ocupacional. Contudo, a mineração contemporânea é cada dia mais cobrada a ampliar a rigidez no controle e transparência de suas atividades. 

Não basta a prática das melhores tecnologias disponíveis. A sustentabilidade das atividades no Setor Mineral requer responsabilidade social corporativa e forte governança socioambiental local. 

Discutir mineração em Terras Indígenas é um problema essencialmente amazônico. No Brasil, 26,1% das áreas protegidas e 98,4% das Terras Indígenas estão na Amazônia. 

Como legislar sobre questões intrínsecas à Amazônia (que corresponde a 60% do território nacional) se, somadas as representações dos estados amazônicos, não se alcança 18% dos 513 deputados federais que compõem a Câmara Federal?

Como, em população, somos poucos, permanecemos “invisíveis” ao Estado brasileiro. Consequentemente, como aprovar o Estatuto do Índio, ou a regulamentação de arranjos produtivos em Terras Indígenas? 

Não será tarefa fácil, mas, há caminhos a trilhar, especialmente, se estudarmos alguns casos de mineração em Terras Indígenas no Amazonas que pude debater ao longo do encontro.

Vige um contrato econômico entre a Mineradora Taboca e o Programa Waimiri-Atroaris (PWA), pacificando a coexistência da lavra mineral e da área protegida. Para o escoamento da produção mineral, os povos Waimiri-Atroaris autorizaram o acesso rodoviário que corta seus territórios, recebendo uma compensação financeira anual.

Portanto, embora não haja contato, nem pesquisa, ou lavra mineral em suas terras, há convivência respeitosa e rigoroso controle pelos indígenas na entrada e saída de veículos do complexo minero-industrial do Pitinga.

Um segundo caso está relacionado à região do Alto Rio Negro. 

Há forte governança socioambiental local construída pela riqueza histórico-cultural e de discussões praticadas pelas populações indígenas. As representações regionais defendem o uso cultural dos recursos minerais, na forma de atividades de lapidação, produção de biojoias, geoturismo; e, algumas comunidades, com tradição na mineração, buscam a regulamentação de suas atividades informais de mineração artesanal de ouro, gemas e minérios de tântalo/nióbio, exclusivamente operadas por associações e/ou cooperativas indígenas.

O terceiro caso é recente e está relacionado à instalação da mina subterrânea de sais de potássio no município de Autazes, margem esquerda do rio Madeira. 

O protocolo de consulta prévia às comunidades indígenas Mura, coordenado pelo Ministério Público Federal, indica que a instalação e operação da mina, planta industrial e porto aguardam condicionantes financeiros e socioculturais pactuados com a mineradora, que serão firmados nas próximas fases do licenciamento ambiental da atividade.

Considerando a existência de povos e comunidades indígenas que não permitem a operação de empreendimentos de mineração em seus territórios, reforcei, em minha participação final, que todos os modelos e casos apresentados devem estar previstos no futuro projeto de lei que regulamentará as atividades de mineração em Terras Indígenas.

Para se enfrentar a polêmica entre os próprios indígenas sobre quais os benefícios a mineração promoveria a eles e ao meio ambiente, propus considerar o papel do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) no suporte e extensão às comunidades que desejam praticar a atividade, considerando o necessário conhecimento geológico e estudos de viabilidade econômico-ambiental da jazida mineral que se pretende lavrar. 

Sobre a obrigatoriedade das consultas prévias, livres e informadas às populações indígenas e comunidades tradicionais, recomendo a leitura de farta referência disponível sobre o tema no site do Ministério Público Federal (www.mpf.mp.br). 

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