9 de dezembro de 2024

Incongruências

Entre as várias dificuldades que encontro desde que resolvi enfrentar minha condição de professor e analista econômico, está o fato de fazer a análise do comportamento humano diante das dificuldades que se apresentam principalmente nos períodos de crises como a que estamos vivendo no momento. Ao mesmo tempo a nossa sociedade enfrenta uma crise de saúde, quando este vírus desconhecido e avassalador simplesmente vem dizimando milhões de seres humanos no mundo inteiro, porém a simples utilização de uma máscara para proteção da vida é contestada pelas pessoas.

Entre reconhecer o esforço brutal e espetacular que os cientistas fizeram para desenvolver uma vacina em um tempo absurdamente curto, contra o Covid-19 e estabelecer as regras capazes de salvar vidas humanas, muitos preferem até hoje negar este esforço e buscar explicações negativas para burlar os protocolos. Diariamente as notícias de aglomerações vindas de festas gigantescas sem autorização, ou mesmo a ansiedade da volta aos estádios de futebol ou aos eventos artísticos, mostram o quanto o apego ao imediatismo humano deixa a razão de lado para colocar a vida em risco.

A crise econômica seria inevitável, como está espalhada não apenas no território brasileiro como no mundo inteiro, com dificuldades de produção, distribuição e mesmo de gestão pública e política da situação em relação ao vírus. Infelizmente se faz uma propaganda enorme e negativa APENAS EM RELAÇÃO AO QUE ACONTECE NO BRASIL, como se fôssemos uma ilha de desgraça, fazendo ressuscitar aquele maldito “complexo de vira-latas” que já se esperava enterrado.

Seria inevitável do ponto de vista técnico e econômico que os preços subissem em função das questões de gastos inesperados com a saúde (as externalidades), fazendo com que todos os planos e orçamentos governamentais fossem necessariamente revistos independente da vontade executiva. Para piorar a situação, o país sofre uma das piores crises hídricas de sua história, abalando o abastecimento não apenas de água mas, principalmente, de energia elétrica, causando mais uma crise, a de energia, impactando nos preços de toda a sequência de produtos e índices que oneram a vida do cidadão comum.

O grande problema é que o cidadão comum, ou não, ao invés de entender o quadro, tendo como parceiro uma imprensa responsável, ao contrário, na maioria das vezes é um cidadão completamente alienado que joga a culpa de tudo no governo para se livrar da própria culpa e tem em uma parte significativa de uma imprensa irresponsável e comprometida ideologicamente (o que não deveria), um acelerador de sua própria ignorância. É neste momento que vemos as dissonâncias sociais ficarem não apenas absurdas quanto inexplicáveis, quando aqueles cidadãos que bradam pela falta de comida em suas mesas, ou mesmo chegam a chorar frente a uma câmera de televisão pela falta de emprego, aparece na mesma tela da mesma televisão, no final da semana, comemorando e gritando no estádio de futebol no jogo de seu time do coração. A pergunta vem logo de pronto: onde arranjou o dinheiro para pagar o transporte para o estádio, a entrada para o jogo e certamente a cerveja que certamente rola nestes momentos? 

Seria bem mais duro ao falar sobre as tantas famílias onde as mães sofrem com a fome de seus filhos em suas casas desprotegidas, enquanto os “machos” da casa não abrem mão das reuniões de dominó com suas turmas, também regados a algum tipo de bebida. Esta dicotomia humana não é fácil de explicar, pelo menos a quem busca analisar a economia, porém dentro desta, o comportamento social é parte integrante. Por isto mesmo tenho que fazer a afirmativa ousada e abusada e que, em um país que apesar de todas as desgraças que o mundo está passando ainda consegue ter superávits na balança de pagamentos e que ainda tem um sistema de produção, o Agronegócio, capaz de alimentar meio mundo, NÃO SOMOS MELHORES POR CONTA DAS INCONGRUÊNCIAS DO NOSSO POVO.

Orígenes Martins

É professor, economista, mestre em engenharia da produção, consultor econômico da empresa Sinérgio

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