27 de julho de 2024
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Fazer por merecer

Na Câmara dos Deputados, mais precisamente na Comissão de Seguridade Social e Família, encontra-se o Projeto de Lei nº 2.142 que se aprovado determinará a obrigatoriedade da utilização do Serviço Único de Saúde – SUS pelos agentes políticos durante o mandato eletivo. Apresentado em abril de 2019 a proposição legal aguarda o parecer do seu relator para seguir os tramites do nosso processo legislativo.

Esse projeto de lei chamou minha atenção por vários aspectos, um foi por acreditar que ele é inconstitucional, mas neste momento não cabe a discursão sobre isso. Sobre outro ponto de vista pensei no PL nº 2.142 com toda a polêmica que estava sendo gerada e pensei na frase muito conhecida dita por Joseph-Marie de Maistre, escritor, filósofo, diplomata e advogado do século XIX: “Toute nation a le gouvernement qu’elle mérite“. Traduzindo: “Toda nação tem o governo que merece”.

A frase de Maitre já foi dissecada por pensadores, estudiosos, professores, escritores e por aqueles que sempre estão em busca de compreender o que se quis dizer, o motivo e como podemos fazer para sempre melhorar tomando o passado como exemplo. Então também tive o atrevimento de tentar entender e, indo um pouco além, busquei uma forma mais simples e compreensível de dizê-la: Toda nação tem no governo pessoas como nós.

Não é a verdade? Vamos lembrar das notícias de que vários políticos, ao adoecerem, não se dirigem ao SUS. Sabemos através da mídia que nossos representantes se internam em grandes e caros hospitais particulares. Dificilmente ouvimos que um deputado, vereador, prefeito, governador ou outra pessoa em um cargo político tenha feito algum tratamento em hospitais do SUS.

Condenamos sumariamente os políticos pelo não uso do SUS. Ninguém quer saber se o político tem plano de saúde ou se ele tem condições financeiras de se tratar onde ele quiser. E a condenação muitas vezes é feita por pessoas que possuem plano de saúde e que também não usam o SUS. Só não vão para o Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo, pelo fato do seu plano não permitir.

E nossas “condenações” vão além. Condenamos e repudiamos atos de corrupção e sonegação, mas furtamos energia elétrica e usamos o aplicativo Waze para saber se no caminho para casa existe uma blitz, afinal bebemos à noite toda. Pedimos favores aos amigos que trabalham em alguma repartição pública e conversamos com o agente público na tentativa de evitar uma multa de trânsito. Solicitamos um benefício social que é destinado para pessoas de baixa renda, sem necessitarmos e ainda debochamos por termos conseguido. Não exigimos a nota fiscal de uma compra feita e não achamos errado quando mentimos na declaração do imposto de renda, pois a carga tributária do país é muito alta. Não respeitamos sequer uma determinação para uso obrigatório de máscara em uma pandemia.

Toda nação tem no governo pessoas como nós. No Brasil nossos representantes políticos são eleitos através do voto. Elegemos pessoas que convivem direta ou indiretamente conosco, na mesma cidade, no mesmo estado. Independente da classe social esses representantes políticos tem suas origens em nossa sociedade e, obviamente, vivenciam e presenciam seus esplendores e suas mazelas. Possuem os mesmos “vícios” que nós temos.

Toda nação tem no governo pessoas como nós. O político só deveria ser eleito se prezasse pela ética e honestidade, representando sua base eleitoral sem desconsiderar o bem estar da comunidade, com o dever democrático de garantir o debate de ideias e a transparência de seus atos. Contudo, para que possamos “enxergar” e “reconhecer” essas características na pessoa que vamos eleger temos que primeiro olhar no espelho e avaliar se nossa conduta condiz com o que vamos cobrar de outras pessoas. Se somos ainda adeptos do “jeitinho brasileiro” não há como se exigir qualquer mudança positiva daqueles que elegemos, pois eles são exatamente o que somos.

Não precisamos inventar a roda. O 35º presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, foi bem direto ao dizer “não perguntem o que seu país pode fazer por você, perguntem-se o que vocês podem fazer por seu país“.  O PL nº 2.142/2019 foi proposto e está em tramitação e eu pergunto, você quer ser atendido no SUS? Enquanto você responder que prefere pagar um plano de saúde está apresentando um claro motivo para repensar seus conceitos sobre cidadania e isso vale para os nossos políticos.

E Joseph-Marie de Maistre tinha razão ao dizer que “Toda nação tem o governo que merece“. Vamos então fazer por merecer.

*Moisés Hoyos é Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil

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