Os sentidos presentes dos termos “esquerda” e “direita”, em um amplo conjunto de práticas políticas e movimentos históricos, na compreensão concreta da fenomenologia do poder, mais ofuscam do que revelam. Vale dizer que estes dois termos são generalizações grosseiras, nada substantivas – mutáveis de acordo com a realidade histórica e institucional – e que pouco ou nada revelam objetivamente o que são para os interlocutores mais exigentes.
Entre a denominação “esquerda” e “direita”, e a verdadeira tradição da política no Ocidente há um verdadeiro abismo. O que se desenvolveram no Ocidente, em outros termos, foram em essência quatro tradições políticas: a democracia, o liberalismo, o conservadorismo e o socialismo. As quatro tradições – ou doutrinas, como preferem alguns – englobam invariavelmente todos os nossos desejos e aspirações dos últimos milênios, especialmente com o advento da modernidade. É por esse motivo que devemos entendê-los melhor.
A Democracia é o regime político que certifica a igualdade política entre os cidadãos. Teve sua origem formal na Grécia Antiga e está plenamente expressa na grande assembleia de cidadãos – na Ágora –, na Constituição de Atenas, e nas obras filosóficas de Aristóteles. O “Poder do Povo”, com o povo e para o povo – emendaria Abraham Lincoln – foi a justificativa legítima e a origem das lutas pela emancipação inglesa, norte-americana e francesa, bem como nas lutas de autodeterminação dos países dos continentes americano, asiático e africano. Um traço distintivo dos regimes democráticos é garantia de liberdades positivas, leia-se: participação dos cidadãos na representação política.
Já o Liberalismo busca ser um regime que demanda à liberdade individual vis-à-vis a autoridade coletiva – de grupos ou de qualquer órgão governamental ligado ao Estado. O dogma liberal circunscreve na individualidade o primado da liberdade, da ordem social e do poder político. Na obra de John Locke, o pai do liberalismo, o conceito de propriedade surge como um leitmotiv da emancipação do indivíduo; a propriedade, assim, é a fonte da vida, da liberdade e dos bens. Em outros termos, o liberalismo prioriza as liberdades negativas, isto é, toda a liberdade de consciência, de expressão e de crença já consagrados em muitas ordens constitucionais com o nome de direitos civis.
O Conservadorismo, por sua vez, responde a necessidade de se preservar a ordem social, os valores e as tradições contra todas as mudanças rápidas de inspiração revolucionária. O conservadorismo político busca uma coerência entre as liberdades individuais (negativas, portanto) e o peso da tradição expressa na cultura e nos valores social enraizados.
Por fim, o Socialismo tem sua origem nas mudanças sociais, econômicas e políticas oriundas da industrialização europeia, e a partir daí a doutrina seguem muitos caminhos. Ludismo, anarquismo, marxismo, social-democracia, nacional-socialismo, entre outros, são expressões específicas do movimento socialista. A crença essencial do socialismo como uma causa política é a revolução. O princípio é bem simples: a transformação revolucionária objetiva tornar todos iguais. O socialismo é, portanto, a faculdade política da igualdade política, social e econômica dos indivíduos.
É justamente o entendimento dessas quatro tradições que nos ajuda a explicar a realidade política no quadro geral dos países que experimentaram um nível razoável de institucionalização política, com economia de mercado e uma ordem constitucional aplicada às circunstâncias de cada sociedade. “Esquerda” e “direita” invariavelmente se perdem neste manancial rico de tradições que se fundem e se confundem ao longo do desenvolvimento político do Ocidente.
É por isso que sou obrigado a concordar com o ex-prefeito Arthur Virgílio, que em palestra recente, muito bem sentenciou a questão: “para mim, esquerda e direita são duas placas de sinal de trânsito”. Ou seja, esquerda e direita nada falam de responsabilidade, eficiência, qualidade da gestão pública. Mas no Brasil virou rótulo de grande valor nos debates públicos. O que deve entender, por fim, é como as quatro tradições ora se entrelaçam, ora se excluem. Democracia, liberalismo, conservadorismo e socialismo vão muito além da dicotomia esquerda e direita.