9 de dezembro de 2024

Águas, riscos e cuidados preventivos

Em tempos de mudanças climáticas, com eventos críticos recorrentes, a face da água como agente geológico reflete a capacidade destrutiva e construtiva dos efeitos do seu “Ciclo”, impressa nas diversas paisagens naturais, ou, cada vez mais ocupadas pelo homem. Não por isso, os mais velhos reproduzem a velha sentença: “água mole em pedra dura, tanto bate, até que fura”. 

Nosso processo civilizatório do século XX, onde migramos e passamos a viver nas cidades (pequenas, médias, grandes, ou metrópoles), deixando o ambiente rural, trouxe consequências e desafios inevitáveis. 

Na falta de espaço para tanta gente, ocupamos e produzimos áreas de risco a acidentes, por vezes, catastróficos… transformando terrenos, fragilizando-os quase sempre onde a natureza e as características geológicas atuam respeitando pressupostos da Termodinâmica e limites de trabalho, energia e equilíbrio (no conceito da Física).

Aterramos igarapés, nascentes, canalizamos meandros… urbanizamos planícies de inundação “na marra” (“na tora”, diria meu filho), ocupando-as densamente com populações de diversos matizes e classes sociais… como se aqueles não fossem caminhos naturais das águas que caem, infiltram, ou deveriam infiltrar, e correm, sempre, na direção do mar.

A natureza controla o risco. Escolhas humanas e descaso têm ampliado os riscos.

Os recentes episódios de Capitólio e de Ouro Preto, ambos em Minas Gerais, nos ensinam que é possível mapear o risco, monitorar o perigo e salvar vidas. 

A presença de uma tradicional Escola da Engenharia Geológica trouxe a Ouro Preto, e aos seus habitantes, conhecimento e governança sobre a fragilidade das encostas desgastadas pelos tempos geológico e geomorfológico, que esculpiram rochas e ladeiras e, por uma história, usos e ocupação. 

“Foram os anéis, ficaram os dedos”… em Ouro Preto não houve vítimas, mas, infelizmente, dois prédios centenários sucumbiram, tombados pelo Patrimônio Histórico nacional e mundial, e outro ficou muito danificado, todos, já desativados há década, interditados pelo reconhecimento do risco de escorregamento do talude do morro lindeiro. 

Na Defesa Civil municipal, um engenheiro-geólogo entrevistado após o ocorrido, sinalizava sobre as atitudes tomadas pelas autoridades: o monitoramento dos volumes de chuva na região, forte componente detonador do movimento da terra; o fechamento da rua em frente ao morro para passagem de veículos e pessoas, cerca de 40 minutos antes do desmoronamento, protocolos suportados pelo mapa que trazia em suas mãos, com informações geotécnicas apontando áreas de maior risco e direções preferenciais de ocorrências. 

O município de Capitólio, onde dez pessoas morreram pela queda de um paredão rochoso enquanto navegavam na represa de Furnas – “Mar de Minas”-, não teve a mesma sorte de Ouro Preto. 

Embora, especialistas indiquem que havia risco de quedas de blocos na área do acidente, tal conhecimento, ou reconhecimento, não estavam e não estão integrados, estrutural e institucionalmente, ao ordenamento do uso econômico e territorial desta importante região turística mineira.

Independente de inquéritos que indiquem culpados, a Carta Aberta à Sociedade Brasileira emitida pela Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental – ABGE (www.abge.org.br) ressalta que “ainda continuamos não considerando a análise dos riscos naturais como uma ação que deve ser sistemática, continuada, preventiva e extremamente necessária à preservação de vidas e de patrimônios público e privado, natural e humano”.

Propondo um papel protagonista das Defesas Civis para muito além do gerenciamento de crises instaladas a partir dos desastres ocorridos, a ABGE trouxe recomendações como medidas urgentes: “1) elaboração de Cartas Geotécnicas de Risco das cidades e áreas de Turismo Geológico; 2) monitoramento constante das áreas de riscos geológicos e hidrológicos, com revisões periódicas; 3) avaliação das áreas de risco geológico e hidrológico, visando a identificação daquelas passiveis de condição segura; 4) remoção de moradias em áreas onde a convivência com os riscos naturais de forma segura não seria possível; 5) capacitação e valorização de técnicos que atuam na área de prevenção de risco nos municípios e estados; 6) execução de ações que aumentam a percepção de risco por parte da população; e, 7) consubstanciar Planos de Gerenciamento de Riscos, que melhor e mais eficientemente possibilitem a coordenação e a implementação de ações preventivas e emergenciais entre os entes municipais, estaduais e o governo federal”.

Urge ao tema reforçar: até quando vamos continuar “não olhando para cima”?

A saudade do poeta

Aprendi com o saudoso Thiago de Mello (1926-2022) a importância ecológica da água, enquanto recurso vital. Em seu Ato Institucional Permanente do “Estatuto do Homem”, no Artigo VIII, nosso poeta amazonense reverberou: “Fica decretado que a maior dor / sempre foi e será sempre / não poder dar-se amor a quem se ama / e saber que é a água / que dá à planta o milagre da flor”.

Entre as muitas homenagens, compartilho versos do amigo Celdo Braga, em reflexão pessoal em sua rede social – “A luz terrena retorna ao firmamento: Vida eterna, Thiago de Mello! – De branco, se empluma a garça, / em voo de luz que abraça / a correnteza do rio. […]. De tanto espalhar seu canto, / o Caboclo do Andirá, / fez o rio de Barreirinha / ser do tamanho do mar”.

Ficam a saudade, o carinho e a gratidão eternos ao poeta. E a poesia de uma vida iluminada que nunca se apagará.

Daniel Nava

Pesquisador Doutor em Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia do Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da UEA, Analista Ambiental e Gerente de Recursos Hídricos do IPAAM

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