27 de julho de 2024
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A revolta da vacina

Em 1904 Oswaldo Cruz, o fundador da saúde pública no Brasil, realizou a primeira campanha de vacinação em massa para controlar a varíola que atingia a população da então capital do Brasil, Rio de Janeiro. Essa primeira iniciativa gerou protestos da população contra a obrigatoriedade da vacinação que resultou na chamada “Revolta da Vacina”, transformando em um campo de batalha as ruas da cidade. Com o conflito, com 110 feridos e 945 presos, a obrigatoriedade da vacinação foi revogada e a epidemia de varíola continuou, e, naquele ano, mais de 3.500 pessoas morreram.

Do fracasso à inspiração a iniciativa de Oswaldo Cruz, que estabeleceu um modelo de ação contra as epidemias, foi o exemplo que resultou na criação, em 1973, do Programa Nacional de Imunizações – PNI. O programa é reconhecido no mundo e com mais de 300 milhões de doses anuais de vacinas, soros e imunoglobulinas já contribuiu com a erradicação da varíola, da febre amarela urbana e da poliomielite e na redução dos casos e mortes relacionadas ao sarampo, rubéola, tétano, difteria e coqueluche.

As vacinas e outros produtos do PNI são disponibilizados para todos, sem nenhuma distinção, nos postos de saúde do país ou com as equipes de vacinação que levam a imunização para pessoas que estão em locais de difícil acesso. O rol de vacinas ofertadas pelo Sistema Único de Saúde – SUS foi incrementado ao longo do tempo e atualmente, são disponibilizadas 19 vacinas para mais de 20 doenças. O Calendário Nacional de Vacinação busca atingir crianças, adolescentes, adultos, idosos, gestantes e povos indígenas

Com um alto grau de excelência comprovado o PNI é citado como referência pela Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, que faz parte da Organização Mundial de Saúde – OMS, fato que levou o programa a organizar campanhas de imunização no Timor Leste, Palestina, Suriname, além de estabelecer cooperação técnica com Estados Unidos, México, Guiana Francesa, Argentina, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Colômbia, Republica Dominicana, Bolívia e Argentina.

Não há como se contestar a eficiência do PNI, contudo nos últimos anos as metas do programa não estão sendo alcançadas. As campanhas nacionais de vacinação contra sarampo e poliomielite estão sendo prorrogadas constantemente por conta da baixa procura da população pelas doses. O Ministério da Saúde indica que existe queda entre 2014 a 2019 na procura de vacinação contra a pólio, BCG, rotavírus, difteria, tétano, coqueluche, pneumonia, meningite, tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) e hepatite B.

O motivo da diminuição da procura pelas vacinas não é claro, aliás, são vários motivos que vão da percepção enganosa de parte da população de que não é preciso vacinar porque as doenças desapareceram a problemas com o sistema informatizado de registro de vacinação, mas existe um motivo que chama atenção, é o movimento antivacina que vem ganhando força no país, uma espécie de retorno ao ano de 1904, com a “Revolta da Vacina”.

A nova “Revolta da Vacina” ou movimento antivacinação foi incluído pela OMS em seu relatório sobre os dez maiores riscos à saúde global por ameaçarem reverter o progresso alcançado no combate a doenças evitáveis por imunização, como sarampo e a poliomielite. Apenas por curiosidade os outros riscos à saúde mundial, de acordo com a OMS, são: Poluição do ar e mudanças climáticas, doenças crônicas não transmissíveis, pandemia de influenza, cenários de fragilidade e vulnerabilidade, resistência antimicrobiana, ebola, atenção primária, dengue e HIV.

Em 1904 a “Revolta da Vacina” foi motivada pela aplicação obrigatória de vacina contra a varíola que exigia comprovantes de vacinação para a realização de matrículas nas escolas, para a obtenção de empregos, viagens, hospedagens e até casamentos. Também era previsto o pagamento de multas para que resistisse à vacinação, as brigadas sanitárias podiam entrar nas casas e aplicar a vacina à força, com a ajuda da polícia, e ainda incluía a derrubada de cortiços e despejo de seus moradores. Todas essas determinações ocasionou uma resistência da população que não tinha informações sobre o processo de vacinação.

A “Revolta da Vacina” de hoje tem motivações bem diferentes de 1904. A desinformação que existe não é por conta da falta de informação em si, mas é causada pela propagação de informações “suspeitas” e até mesmo falsas sobre a importância das campanhas de vacinação. Embora pesquisas científicas robustas demonstrem que as vacinas são seguras, eficazes e que salvam vidas, o conteúdo impreciso e enganoso se prolifera no mundo online, impulsionam o negacionismo cientifico alegando direito à liberdade individual.

Conteúdos antivacinas em páginas do Facebook adotam justificativas baseadas em crenças de que algumas doenças não existem ou são alimentadas por conteúdos não confiáveis produzidos por pessoas que vendem remédios alternativos. Até justificativas religiosas são utilizadas para não participar de campanhas de vacinação, apesar de serem estapafúrdias, como a alegação de que na vacinação será introduzido no corpo da pessoa um nanochip com geolocalização ou ainda de que a vacina irá violar o corpo e que Deus irá curar o infectado sem a necessidade de qualquer vacinação.

Por afetar a coletividade deixar de se vacinar não é uma escolha individual. Devemos ter a clara noção de que vivemos em uma sociedade e que determinadas ações que tomamos podem prejudicar outras pessoas. Nesse momento que o meu direito afeta o direito do outro devemos entender o que é viver coletivamente. Não há motivos e nem justificativas para termos uma “Revolta da Vacina” nos dias atuais.

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