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Vem aí o ministro “terrivelmente evangélico”

Um espectro ronda a aposentadoria do ministro Marco Aurélio de Mello — o espectro do jurista “terrivelmente evangélico”, a ser indicado para sua vaga. A expressão desconcertante usada pelo presidente da República sinaliza que o STF contará em breve com um ministro alinhado à mentalidade bolsonarista. No entanto, o ministro Nunes Marques já antecipou o que está por vir e concedeu uma liminar liberando cultos religiosos presenciais em plena semana de páscoa, no auge da pandemia.

O teor da decisão assusta. Cita precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos sem detalhamento, recorre a princípios abstratos e até a um argumento de ditadura da maioria afirmando que 80% dos brasileiros são cristãos, como se esse dado tornasse legítimo pôr em detrimento a saúde coletiva no momento mais crucial, até agora, da pandemia que o Brasil atravessa. É uma decisão ativista, daquelas de manuais: usa de princípios jurídicos e outros valores abstratos para imprimir uma visão de mundo do próprio julgador, em detrimento de escolhas administrativas de atores politicamente credenciados.

Há algumas correntes que, aberta ou silenciosamente, defendem que o ativismo judicial se justifica quando for para ampliar direitos. Ou seja, reconhecem a existência de um certo ativismo do bem. Bonito no papel, complicado na prática. Essa ideia parte de uma premissa equivocada de que a sociedade tem acordo sobre o que significam determinados direitos e qual é a extensão que eles possuem.

Veja o caso da liminar dos cultos. Para o ministro Nunes Marques, a sua disposição ativista se justificou para promover a liberdade de culto religioso, sem levar em consideração que a extensão conferida ao direito de credo colocou em risco o direito à saúde pública. Mas Nunes Marques decidiu que era caso de ampliar o direito de culto religioso, a despeito de o mesmo STF já ter pacificado que cabe aos prefeitos e governadores tomarem medidas contra a propagação do vírus em nome do direito à saúde pública (cabe ao presidente também, vale lembrar).

A decisão do ministro Nunes Marques de liberar cultos no auge da pandemia é um excelente exemplo dos perigos embutidos no apoio político a um STF ativista. Se o Supremo usou desse ativismo para promover algumas pautas progressistas no passado, ele também o usará para dar vazão às reivindicações da direita em ascensão no Brasil. O STF não paira num vácuo ideológico de poder; ao contrário, se move junto com a conjuntura.

O mesmo poder de liminar (ministrocracia) que, sob aplausos, cassa os decretos armamentistas de Bolsonaro, também dá as condições para que igrejas se tornem um centro de distribuição de coronavírus no auge da pandemia. O já saudoso ministro Marco Aurélio de Mello se aposenta em julho. Em seu vácuo, vem aí mais um ministro com todos os poderes monocráticos tolerados, quando não comemorados, por muitos de nós nos últimos anos. A decisão de Nunes Marques foi apenas um spoiler.

Foto/Destaque: Divulgação

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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