A alma brasileira e o mergulho profundo nos ritmos africanos dominam o primeiro CD solo do rapper Gaspar. Há mais de 20 anos à frente do grupo Z’África Brasil, o artista de 36 anos apresenta um disco com músicas inéditas e um time de artistas consagrados como Zeca Baleiro, Emicida, Dexter, KL Jay, Lirinha, Funk Buia, Marcelo Pretto, Lou Piensa e Amanda Negrasim.
A caprichada produção de Rapsicordélico traz em sua essência uma nova construção sonora para o universo da música popular brasileira, apresenta um estilo musical fundamentado na cultura hip-hop e com fortes influências dos ritmos do nosso país. O disco é uma obra híbrida que passeia entre a poesia falada do RAP e a métrica dos cordelistas. Apresenta também ritmos sincopados regionais em uma roupagem moderna que se apropria dos timbres eletrônicos em diálogo com os instrumentos acústicos.
“Muitas letras deste álbum partiram das minhas referências nordestinas, das coisas do meu pai e dos mestres que, ao longo da minha vida, tive oportunidade de conhecer e aprender”, explica Gaspar. “Nos discos anteriores com o grupo Z´África Brasil, já misturava o rap e suas batidas eletrônicas com os ritmos africanos e brasileiros. O som da banda sempre teve como característica a ancestralidade do tambor com o sampler e, neste meu trabalho solo, nós aprofundamos e demos continuidade nessa pesquisa sonora. Porém, ao invés de partir da base eletrônica, os arranjos do disco partiram sempre do pandeiro, do tambor, do cavaco dando harmonia e percussividade nas rimas”, conta o vocalista.
Rapsicordélico
Ritmo e Poesia Psicodélica em Cordel confirma a maestria do jovem músico, produtor e idealizador da Cia de Arte Negra Treme Terra, João Nascimento, que com sua abordagem corajosa e criativa navega entre uma proposta moderna e tradicional proporcionando ao álbum todo o peso necessário. “O João Nascimento trabalhou com elementos eletrônicos, os beats em diálogo com os toques afro-brasileiros dos tambores. Dessa forma, o álbum foi ganhando vida e equilibrando as harmonias com as percussões de acordo com o que cada verso e rima pediam, um rap abrasileirado regado a berimbaus”, pontua Gaspar.
O disco abre com “Mestre Griôs”, faixa que conta com a participação de KL Jay e tem scratch e colagens de Racionais MC’s e Jorge Benjor – “Nesta rima Asteca/Corre sangue africano/Lembro da rabeca/Do mestre Salustiano/Cordel cantado brasileiro/Embolada de terreiro/Do sudestino suburbano”.
A faixa “Guerreiro de Aruanda” é uma saudação, uma oração a Ogum e conta com a participação do rapper Emicida – “Ogum com sua lança afasta o inimigo/Abre os caminhos e protege do perigo/Ogum Ogum Ogum Onirê Ogum Megê agô”.
“Rapinbolada” tem participação de Zeca Baleiro e letra de Carlos Silva, Zé de Riba e Gaspar. A faixa é uma mistura do rap com a embolada e resultou num som dançante e bem brasileiro, mostrando o parentesco dos mestres de cerimonias com os emboladores, dos repentistas com os rappers – “Rapinbolada é a mistura/ Do rap com o repente/Do coco da embolada/Esse é o som da gente/Metrificando no verso/Num improviso diverso/Com sotaque diferente”.
Rapsicordélico conta com 12 faixas e levou dois anos para ficar pronto. Para Gaspar, o álbum representa uma contribuição da arte como transformação. “Trata-se de mais uma alternativa de manter nossos projetos vivos, de dar continuidade em tudo que já fizemos e fazemos ao longo destes anos. Este trabalho representa a união do Z´África Brasil com o Afrobase, com os trabalhos do Treme Terra e a representatividade dos outros projetos que estão ligados permanentemente. É um disco que traz em sua essência a ideia de que é possível fazer com que a cultura Hip Hop seja cada vez mais forte e sem limites para se expressar, aprender e valorizar nossas raízes. É preciso manter viva esta africanidade que pulsa nas nossas veias, nas veias de todo brasileiro”, finaliza o músico.
