Pesquisar
Close this search box.

Pesquisador Victor Py-Daniel falece, mas deixa legado regional

Morreu no final da tarde de terça-feira, 22, em Brasília, no Hospital Santa Lúcia, vítima de sequelas da covid, o pesquisador, doutor em ciências biológicas, o gaúcho Victor Py-Daniel. Ele tinha 69 anos e estava internado desde o início do mês. Entre 1978 e 2012, Py-Daniel trabalhou no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), onde realizou relevantes trabalhos.  

Em 2007, Py-Daniel gravou seu nome nos anais da ciência ao descobrir uma nova doença causada por um verme africano, que estava atingindo índios yanomami.

O pesquisador queria entender porque muitos índios passavam a ter febre alta e dores no joelho, após picados por ‘piuns’. Para chegar à descoberta, Py-Daniel passou três meses na ‘Cabeça do Cachorro’, vasta região do município de São Gabriel da Cachoeira (a 1.100 km distante de Manaus) pesquisando os indígenas doentes. Em seus estudos foi constatado um novo tipo de verme no sangue deles.

As amostras de sangue coletadas foram trazidas para Manaus e analisadas no Inpa. 30% dos exames realizados deram positivo para uma doença, a ‘mansonelose’, causada pelos vermes africanos ‘mansonella perstans’ e ‘mansonella ozzardi’. A nova doença pode levar à morte porque ataca o sistema nervoso central e o pericárdio, a membrana que envolve o coração. Py-Daniel ainda descobriu que o tratamento da ‘mansonelose’ poderia ser feito com o uso de remédios contra vermes, com fórmulas semelhantes às usadas no combate aos parasitas mais comuns, como a hoje famosa Ivermectina, por exemplo.

“O dr. Py-Daniel não era apenas um pesquisador, ele era uma escola, pois levava seus alunos para o interior da Amazônia, e nos ensinava a ver, sentir e conhecer os povos indígenas. Ele mostrava uma Amazônia diferente, in loco, como poucos pesquisadores fazem, e poucos viajaram como ele. Diria que, em nosso tempo, ele fez o mesmo que Walter Bates, Wallace, Stradelli, e outros naturalistas fizeram em tempos passados. Perder Py-Daniel é perder uma pessoa que conheceu cada rio da Amazônia e dezenas de povos indígenas”, falou a bióloga Noemia Kazue Ishikawa, doutora em recursos naturais pela Universidade de Hokkaido, no Japão, e que trabalhou com o pesquisador.

Doenças e tratamentos

O pesquisador da Fiocruz Amazônia, Felipe Pessoa, foi aluno de doutorado de Py-Daniel, e trabalhou com ele no Inpa, entre 1998 e 2005. Felipe recordou que Py-Daniel veio para o Inpa no final da década de 1970 e suas pesquisas com insetos, mais especificamente os ‘borrachudos’, popularmente conhecidos como ‘piuns’, lhe renderam boas descobertas.

“Ele descobriu, e descreveu, novas espécies de ‘piuns’, além de desvendar doenças transmitidas por estes insetos. Numa das invasões de garimpeiros às terras yanomami, surgiu a doença de pele ‘oncocercose’, em populações isoladas. Depois ele descobriu outra doença, a ‘mansonelose’, em populações de beira de rio, ambas transmitidas pelo ‘pium’. E foi mais além, observando etnologicamente o comportamento dessas populações para ver se esse comportamento através de festas, brigas ou lutas, agravava as doenças. A morte do dr. Py representa uma grande perda para a ciência amazônica”, contou.  

André Baniwa trabalhava no conselho distrital de São Gabriel da Cachoeira quando conheceu Py-Daniel e passou a trabalhar junto com o gaúcho, entre 2005 e 2009.

“Nessa época o Governo do Estado realizou um projeto de pesquisa junto com Inpa sobre as doenças indígenas. Como eu era do conselho distrital, fui um dos principais apoiadores dessa pesquisa. O dr. Py-Daniel desenvolveu trabalhos sobre as duas doenças desconhecidas que se alastravam no alto rio Negro e, com seus estudos esclareceu serem os ‘piuns’, que infestam a bacia do Içana e outros rios locais, os responsáveis em provocá-las”, lembrou.

“Essas descobertas foram muito importantes para os indígenas daquela região, pois as doenças passaram a ser monitoradas, controladas e houve redução de casos, sem falar que ele desenvolveu o tratamento. Desde aquela época fiz muitas viagens com ele. Perder um pesquisador sempre é muito ruim, pois ele leva embora junto consigo muito conhecimento”, concluiu.

Foto/Destaque: Divulgação

Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
Compartilhe:​

Qual sua opinião? Deixe seu comentário

Notícias Recentes

Pesquisar