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Livro vai fundo na experiência xamânica dos Yanomamis

 Luiz Davi: “eles fazem o xamanismo para o céu não cair sobre nós”

Evaldo Ferreira: @evaldo.am 

‘Do sopro ao afeto: corpos kõkãmou na experiência xamânica’ é o título do livro que Luiz Davi Vieira Gonçalves acaba de lançar. Luiz Davi é professor adjunto da UEA, performer, diretor de teatro e antropólogo-artista.

‘Do sopro ao afeto’ tem 164 páginas e contempla uma vivência de mais de dez anos do antropólogo entre os yanomami, com uma versão reduzida da pesquisa de pós-doutorado e doutorado sobre o corpo e o xamanismo. É a partir da cosmologia indígena, um conceito sistematizado pela antropologia no mundo, que conceitua o cosmos como a forma de pensamento dos povos tradicionais, que o autor ancorou sua pesquisa e estudos. No livro ele também descreve como chegou à vivência e à pesquisa com os yanomami, já que no início pesquisava outros povos.

Graduado em artes cênicas pela Universidade Federal de Goiás, Luiz Davi é autor de livros sobre xamanismo, performance art e afeto na prática de rituais. Foi no Amazonas que iniciou suas pesquisas em antropologia com os povos originários, a partir do ingresso no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, da Ufam, onde fez especialização, doutorado e pós-doutorado.

Em entrevista ao Jornal do Commercio, Luiz Davi falou sobre seu livro e a prática xamânica entre os yanomami. 

Jornal do Commercio: Explique o título do seu livro, ‘Do sopro ao afeto: corpos kõkãmou na experiência xamânica’.

Luiz Davi: O título é uma referência de minha experiência com o xamanismo yanomami, de Maturacá, e também com o bahsesé tukano, onde recebemos as medicinas tradicionais ëpena e karpi. A palavra kõkãmou foi dada pelo hekura (pajé) Miguel Yanomami há dez anos, ao me explicar que eles queriam que eu ficasse kõkãmou (junto com eles para sempre), e não ir lá apenas fazer uma pesquisa e ir embora. Naquele dia percebi que o afeto seria o locus central de nossa relação e que minha vida mudaria, pois o trabalho seria para toda a vida e não apenas para uma pesquisa.

JC: O xamanismo dos yanomami é muito difundido. Seria o povo amazônico que mais explora essa capacidade do transe e conexão com o mundo espiritual?

LD: Não diria que o xamanismo yanomami é o mais difundido, mas sim que ele acontece efetivamente em todo o território yanomami, todos os dias. Na região em que eu trabalho há dez anos, ele acontece diariamente, realizado por quase 30 hekurapë (pajés) nas aldeias Maturacá e Ariabu.

JC: Você já trabalha há mais de dez anos entre os yanomami. Em termos de religiosidade e espiritualidade, o que eles têm de diferente, ou de especial, em relação a outros povos?

LD: Escrevi uma tese de doutorado para responder essa pergunta. Foram quase 300 páginas para etnografar e refletir analiticamente as peculiaridades do xamanismo yanomami. Em notas superficiais eu destacaria a dedicação dos hekurapë (pajés) na prática do ritual. Uma vez iniciado, eles fazem o xamanismo todos os dias, durante toda a vida. Também destaco o respeito e valorização que o povo yanomami tem pelos seus hekurapë. Nas aldeias eles são consultados em todas as decisões.

JC: Quem são os espíritos que você acredita que o tenham escolhido para trabalhar entre os yanomami?

LD: São vários, mas eu destacaria o acolhimento dos hekurapë. Eles, em diálogos com os espíritos, abriram o campo de trabalho que permanece até hoje e, sobretudo, são os pajés que fazem essa manutenção.

JC: Para esses espíritos, qual seria a importância de seu trabalho para os yanomami?

LD: Apoio nas escolas da aldeia, apoio com as atividades das Associações Yanomami, parceria com as lideranças para ações na cidade, apoio para enfrentar problemas como desmatamento e garimpo. A importância é caminhar juntos diante das pautas que vão surgindo.

JC: Quais doenças os xamãs são capazes de curar, apenas as espirituais?

LD: Toda e qualquer doença passa pelos cuidados dos hekurapë. Inclusive eles fazem o xamanismo para o céu não cair sobre nós. Sugiro a leitura do livro ‘A queda do céu’, de Davi Kopenawa Yanomami.

JC: Com o branco cada vez mais próximo dos yanomami, como eles estão reagindo a essa presença? Como manterão intactas as suas crenças?

LD: Essa pergunta sempre é respondida pelos yanomami que estão buscando parcerias com os não indígenas para projetos e ações nas aldeias. Vale refletir que a presença dos não indígenas em território yanomami já vai completar 80 anos e até hoje eles mantêm as práticas culturais. Também destaco que para esse tema existe uma vasta literatura na etnologia brasileira, inclusive com autores indígenas como, por exemplo, o citado livro ‘A queda do céu’.

Onde comprar

O livro pode ser comprado no site da Hucitec Editora (www.lojahucitec.com.br/shop), no valor de R$ 50.

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Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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