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Linkado, facilitador da comunicação

Evaldo Ferreira: @evaldo.am

Atualmente, mais de 160 línguas e dialetos são falados pelos povos indígenas do Brasil. Ao menos cinco delas têm mais de dez mil falantes. No Amazonas existem, aproximadamente, 53 línguas, podendo haver variação, de acordo com os dialetos.

Até há alguns anos não havia problemas na escrita dessa quantidade de palavras inerentes a cada uma das línguas porque a comunicação era feita do ‘homem branco’ para o indígena. Ocorre que hoje, cada vez mais os indígenas estão saindo de suas aldeias, indo para as grandes cidades, estudando, se formando, virando mestres e doutores e precisando se comunicar com os ‘parentes’, em princípio, na sua língua nativa, porém, a tecnologia dos teclados dos computadores e dos celulares, não acompanhou essa evolução. Mas os ‘brancos’ também tiveram problemas com essa situação, aparentemente simples, mas que em determinadas horas, complicava.

“Eu precisava escrever meus textos científicos em língua indígena, mas não conseguia”, lembrou Noêmia Ishikawa, bióloga do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Noêmia pesquisa cogumelos na região do alto rio Negro, onde habitam os yanomami e outras 22 etnias, cada uma com seu linguajar próprio.

Para se entender melhor a situação o indígena tuyuka Josmar Pinheiro Lima explicou que um único caractere, por exemplo, cortado com um traço transversal, tem um som. Se esse U tem um trema (Ü), o som é outro. Se o U tiver um til, a pronúncia também muda. Nesse caso, aqui nesta matéria, o teclado aceitou apenas o Ü com trema.

Solução do outro lado da rua

Noêmia disse que prestou atenção nessa situação há uns 15 anos, exatamente por precisar escrever textos em línguas indígenas e recordou de algo curioso.

“Na época das máquinas de datilografia esse problema não existia. Quem é dos tempos delas deve lembrar que era possível voltar o carro e datilografar um caractere sobre o outro”, falou.

“Com o teclado do computador isso se tornou impossível, e continuou após a possibilidade de se escrever textos no celular”, completou.

A bióloga acrescentou que essa falta de caracteres específicos se repete na língua yanomami, com a qual ela trabalha mais, mas também existe no idioma tikuna, tukano, tuyuka, entre outros. Na língua yanomami a pesquisadora tem publicados os livros ‘Përisi – o fungo que as mulheres yanomami usam na confecção de cestaria’; ‘Brilhos na floresta’, sobre os cogumelos que brilham durante a noite na escuridão da floresta amazônica; e ‘Ana amopö – cogumelos yanomami’, que concorreu ao Prêmio Jabuti de 2017. No título de dois dos livros pode-se perceber o uso do trema, que já causa uma diferença na pronúncia. Noêmia também tem escritos os infantis ‘Embaúba – uma árvore de muitas vidas’ e ‘A porteira azul’.

Outra curiosidade revelada por Noêmia. Durante anos ela alimentou a ideia de ter um teclado que possuísse todos os caracteres necessários para escrever seus textos indígenas, mas não encontrava ninguém que se habilitasse a fazer um.

“Um dia, o jovem Samuel Minev, de 17 anos, que mora aqui em frente ao Inpa, me pediu que o ajudasse a conseguir uma carta de apresentação para se matricular na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Como ele é apaixonado por fungos, exatamente o que eu pesquiso, disse-lhe que daria a carta se ele me ajudasse em minhas pesquisas. Com o tempo Samuel ficou sabendo da situação dos caracteres e disse que tinha um amigo que resolveria o problema”, contou.

Difícil até pelo WhatsApp

O amigo de Samuel era Juliano Portela, 17 anos, programador de computador desde os 14 anos.

“Estou no terceiro ano do ensino médio e também quero ir estudar em Stanford. Pretendo ser empresário no ramo da tecnologia. Quando o Samuel me falou da possibilidade de colocar novos caracteres num teclado, pensei logo num aplicativo, um teclado virtual. Colocar no celular foi fácil. Pro computador foi um pouco mais difícil, mas consegui”, revelou.

O novo aplicativo recebeu o nome de Linkado, e foi lançado oficialmente na quinta-feira (11). Agora, com o aplicativo, o teclado aparece em qualquer tela, do computador ou do celular, com os caracteres desejados.

Josmar foi um dos indígenas convidados por Noêmia para testar o novo aplicativo e, de imediato, o aprovou. Josmar nasceu entre os tuyuka do rio Tiquié, alto rio Negro.

“Sou enfermeiro, em Manaus, mas também atuo como tradutor e escritor de textos do meu povo. Essa dificuldade que a Dra. Noêmia tinha, nós também tínhamos. Quando um ‘parente’ precisava escrever uma dissertação em sua língua, não conseguia fazê-lo satisfatoriamente. Mesmo uma simples troca de textos pelo WhatsApp era complicado. Agora isso acabou”, comemorou.

Josmar lembrou que será beneficiada com esse aplicativo tanto a população dos tuyuka, atualmente com algo em torno de 1.000 pessoas, quanto os tikuna, habitantes do médio e alto Solimões, o maior grupo indígena do país com cerca de onze mil pessoas, além de todos os demais povos amazônicos.

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Evaldo Ferreira

é repórter do Jornal do Commercio
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