O futuro do Amazonas e do modelo Zona Franca de Manaus está no uso sustentável da biodiversidade e na biotecnologia. A garantia é do governador José Melo que aponta o conhecimento tecnológico como a arma necessária para transformar a riqueza da fauna e da flora em produtos fitoterápicos e de beleza, uma alternativa para saciar a fome e salvar vidas. Mas para que isso aconteça, o governador disse que é preciso investir em ciência e tecnologia e que o dinheiro destinado para P&D não seja empregado somente no banco das multinacionais, mas também nos órgãos de pesquisa. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal do Commercio, Melo destaca os efeitos socioeconômicos e ambientais positivos da ZFM para o Brasil e para o mundo, assinalando que o modelo de desenvolvimento foi a maior bênção que o Amazonas recebeu. Confira a entrevista na íntegra.
Jornal do Commercio – O que representa os 50 anos do modelo para o Amazonas?
José Melo – A ZFM foi a maior benção que este Estado já teve. Nós éramos porto de lenha. Passamos 50 anos sem luz elétrica, sem água encanada, sem escolas e sem hospitais. Quando a borracha acabou e foi levada para a Malásia, veio a ZFM como um modelo de desenvolvimento importante. Inicialmente comercial, gerou um grande comércio aqui; depois evoluiu, se tornou substituidor de importações e se passou a produzir aqui em Manaus produtos acabados a fim de que o Brasil não importasse. Esse modelo cumpriu seu papel, gerou milhares de empregos, já teve 130 mil; gerou milhares e milhares de dólares de impostos, tendo ficado uma parte aqui e a grande parte foi para ajudar o Brasil pela renúncia de impostos. Mas, mais do que isso a ZFM foi um dos modelos mais exitosos que o país implantou, porque preservou o maior patrimônio que o Brasil tem hoje, que são os quilômetros quadrados de florestas, dos quais 97% em pé. A ZFM foi guardiã de tudo isso. Um dos patrimônios maior da humanidade, que é a questão do meio ambiente. O desafio do próximo século é o desafio da biotecnologia. Não tem lugar nenhum do mundo que apresente um campo fértil para o estudo da biotecnologia em plena floresta do trópico úmido.
JC – Qual a importância da BR-319 neste contexto?
Melo – O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, recentemente esteve em Manaus, com toda a estrutura do seu ministério, desde o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) ao Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) e junto com ele os ambientalistas mais críticos da BR-319. Tivemos várias reuniões, ficando entendido que o Amazonas, por toda a grandiosidade que possui, deve ter uma saída terrestre para o país, mas com os cuidados que o meio ambiente requer. O trecho de 400 quilômetros, ‘trecho do meio’ (entre Manaus e Humaitá) é a região mais rica em fauna que o Amazonas tem, riqueza que não pode ser mutilada. Fizemos uma proposta que está em fase de estudo, e com certeza vai ser aprovada.
JC – Que proposta é esta?
Melo – É de uma estrada-parque, nos 400 quilômetros, com cerca de um lado e do outro, que terá passagens aéreas para os animais e subterrânea. Como a rede de fibra óptica passa na área, serão instaladas câmeras de monitoramentos a cada 500 metros e chamar o Exército Brasileiro para ser o guardião daquela área. Além disso, tem um projeto para amparar as 600 famílias que vivem hoje às margens dos rios Purus e Madeira, dentro das reservas de conservação da região da BR-319. A ideia é dar um viés econômico e sustentável para estas famílias. Com toda a certeza o governo irá asfaltar a BR-319, abrindo um caminho que vai reduzir muito os custos de logística para o PIM.
JC – Já há uma definição sobre data para iniciar os trabalhos de recuperação da estrada?
Melo – Estamos terminando o EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e seu respectivo Rima (Relatório de Impacto Ambiental) e também tem um estudo porque tem duas comunidades indígenas na área. Acredito que em 60 dias se conclui todo esse estudo para partir para a licitação, se for o caso, por meio do governo federal.
JC – O que o seu governo está fazendo para fortalecer a ZFM dos próximos 50 anos?
Melo – Os próximos 50 anos do modelo tem que ter base tecnológica. Sem tecnologia a ZFM continuará sendo um modelo importador de tecnologia. Uma das coisas que temos que lutar de agora para frente é para que o dinheiro do P&D não seja empregado só nos bancos de conhecimento da Samsung, da LG e de outras empresas, mas que possa vir transferida toda essa tecnologia para cá. O futuro está aqui, então, temos que defender a massa crítica, o conhecimento, a produção de ciência e tecnologia para dar amparo tecnológico ao PIM e por outro lado dar amparo à nova Matriz Econômica Ambiental. Esse é o grande desafio do nosso governo, eu estou apoiando com todas as minhas forças essa questão. A UEA (Universidade Estadual do Amazonas) precisa ser, nos próximos 20 anos, referência quando se quiser obter conhecimento sobre biotecnologia.
JC – O projeto da nova Matriz Econômica Ambiental, recentemente laçado pelo senhor, faz parte desse projeto dos 50 anos?
Melo – Faz. A ZFM precisa de um irmãozinho forte, e esse irmãozinho está na riqueza da floresta. Para você ter uma ideia, caulim, terras raras e potássio, são minérios que podem ser explorados com sustentabilidade ambiental e gerar por ano US$ 100 bilhões. Só de sequestro de carbono podem ser gerados US$ 5 bilhões. Afinal, quanto vale explorar do ponto de vista sustentável as madeiras que tem aqui?, o polo de cosméticos? , a produção de pharmacos? Enfim, quanto representará ao Amazonas ser transformando no maior produtor de peixe em cativeiro do mundo de água doce? O projeto da Matriz Econômica Ambiental, que vai explorar de forma sustentável as riquezas que aqui tem em abundância em nosso Estado, vai dar essas respostas.
JC – Na verdade, tudo isso, já tem iniciativas no Estado?
Melo – Um embrião, que é muito tímido, até porque o Amazonas não tinha uma política pública nesse setor. Segundo, não tinha preocupação com a base científica. Nosso governo foi lá fora, se endividou e vai investir neste ano R$ 400 milhões na matriz para que ela ganhe escala de produção. Quando isso acontecer aí vira a segunda fase do projeto que não terá mais investimento público, mas privado.
JC – O senhor acredita que haverá interesse em fazer essa troca?
Melo – Quando o empresário souber que com 20 tanques de peixe ele consegue ganhar mais do que ganhava com o gado que tinha ele vai querer trabalhar com o peixe em cativeiro. Poderá também se consorciar com a fruta e terá quatro vezes mais do que ganhava com um hectare de campo. Portanto, é dessa forma que a gente está trabalhando. A Indonésia é um grande produtor de cítricos, banana e peixe. Mas isso aconteceu quase por iniciativa dos próprios empresários, com uma política pública bem estabelecida. Agora essa política pública existe também no Amazonas porque o governador está investindo pesado nisso aí, por entender que esse modelo de desenvolvimento econômico não se sustenta sem ciência e tecnologia.
JC – Como o senhor define hoje a relação da ZFM com o Mdic?
Melo – Ao longo do período que o ministro Marcos Pereira assumiu a direção do Mdic esta foi a quarta vez que ele veio a Manaus participar da reunião do CAS. Isso é uma demonstração mais do que cabal do grande interesse que ele tem de garantir a ZFM como modelo de desenvolvimento econômico importante para o país. Mas, mais importante que isso é a preservação da floresta. Este fator todo é extremamente importante para todos nós.
JC – Como está a relação do seu governo com ministro Marcos Pereira?
Melo – Ao longo das vindas do senhor ministro a Manaus e outros encontros que temos em Brasília, ele tem sido defensor daquilo que são os gargalos da ZFM. Ele tem defendido a solução desses gargalos. Toda vez que a gente leva uma proposta de solução para a ZFM sempre tivemos do ministro seu apoio integral e não de conversa fiada.
JC – Como o senhor avalia a primeira reunião do CAS (realizada no dia 15 de fevereiro), após um ano de sérias dificuldades para a economia brasileira?
Melo – Nessa reunião os empresários deram mostras de que a economia começa a dar sinais de recuperação. Dos 36 projetos industriais apreciados e aprovados, 16 foram de implantação, são projetos novos que vão gerar emprego e renda, portanto um indicador forte da volta da nossa economia.
JC – Como está a atuação do Banco do Povo no Estado?
Melo – O Banco do Povo está de vento em polpa. Nós estamos lançando em Manaus algumas milhares de propostas, assim como no interior. O juro é de 3% ao ano e é para atender os pequenininhos como manicure, cabeleireiro, pequenos comerciantes, ou seja, pessoas que tem uma ideia, mas não tem como iniciar.