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Carlos Santiago: ‘Amazonas precisa se aproximar mais de Brasília’

 

Os embates foram intensos nas eleições deste ano, tanto no plano estadual como no nacional. A menos de três dias da votação do segundo turno, a divulgação de um dossiê apontando o envolvimento do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), e de seu vice, Marcos Rotta (Progressista), impactou a corrida eleitoral polarizada entre o governador Wilson Lima (UB) e Eduardo Braga (MDB).

Almeida e Rotta deram uma coletiva para desmentir as acusações, ameaçando com prisão pelo menos 700 pessoas. Pressionado, o prefeito perdeu a compostura. Chamou um jornalista de ‘bodó’, disse que iria banir portais e outras publicações, acusando-os de tentar auferir ganhos políticos. Tanto destempero de um gestor público foi alvo de críticas dos defensores da liberdade de imprensa.

Por mais que os dois tenham refutado o documento (considerado ilegal), a suspeita se mantém, podendo ser refletida nas urnas. As campanhas do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) efervesceram na reta final. Os presidenciáveis tentaram angariar mais dividendos junto ao eleitorado trocando acusações, inclusive bizarras, algo que faz parte do jogo no tabuleiro eleitoral, acirrando-se ainda mais até um dia antes da votação deste domingo.

Houve muito alarde sobre uma suposta escalada da violência no Brasil, argumento refutado pelo cientista político Carlos Santiago. “Somos um país violento. Porém, as eleições caminharam tranquilamente, com as instituições funcionando regularmente, nada compatível com o que se alardeou tanto no atual cenário eleitoral”, avalia o especialista. Portanto, foram muitas bravatas na tentativa de fisgar o eleitor, em ambos os lados.

Santigado vê como marketing político situações aproveitadas pelos QGs de Bolsonaro e Lula. Por um lado, o presidente questiona as decisões do ministro Alexandre de Moraes, supostamente favorecendo o líder petista. Do outro, o presidente insinua que não aceitará o resultado das eleições, caso o ex-presidente vença a disputa, ameaçando, inclusive, convocar as Forças Armadas, um gesto visto como mensagem subliminar sobre a possibilidade de um novo golpe. E já se especula até um terceiro turno amparado na Constituição.

“Vivemos em um Estado de Direito. E quem vai decidir sobre os próximos governantes são os próprios eleitores. Assim é na democracia. E as instituições cumprem o seu papel de referendar as escolhas. Mas qualquer candidato tem a prerrogativa de questionar o resultado caso se sinta lesado”, acrescenta ele. “Isso faz parte do processo democrático”, afirma.

Ele defende que os próximos governantes do Amazonas se aproximem  mais de Brasília para fortalecer a ZFM (Zona Franca de Manaus), “Hoje, o Estado está distante”, alerta./

Carlos Santiago falou exclusivamente ao Jornal do Commercio sobre as suas impressões das eleições no segundo turno.

Jornal do Commercio – A reta final da campanha do segundo turno foi muito tumultuada, tanto no Amazonas como na disputa pela Presidência da República. Como avalia tantos embates antes da votação?

Carlos Santiago – Vejo dentro daquilo que já era esperado. Eleições bem competitivas, tanto no âmbito local como no nacional.  E, por conta disso, houve conflitos. E todo um jogo de acusações, em tentativas de desmontar a imagem dos adversários, também dos aliados. E ainda entre os apoiadores, nos partidos.

A eleição foi muito polarizada. Mas não aconteceu nada de absurdo, nada de diferente, nada anormal….E nenhum candidato desrespeitando as normas eleitorais, no sentido de não acatar as suas decisões.

JC – Tudo isso já era esperado….?

CS – Sim, todos os embates foram dirimidos pela Justiça Eleitoral. Então, vejo que pela tradição, o Brasil é um país muito violento. A violência está contra a mulher, no trânsito, contra crianças, idosos. Temos um indicador de homicídios altíssimo.

Então, se formos colocar a política neste contexto, você  vai ver que a política não teve essa explosão de violência como alguns pessimistas narraram. Foi uma eleição muito acirrada, muito discutida. E a democracia tem se repetido nas eleições presidenciais do Brasil. E vai assumir o cargo aquele que o eleitorado escolher.

Porque numa democracia, não é a vontade da Justiça Eleitoral e das Forças Armadas que vai definir a escolha, e sim somente os eleitores. É isso que vai acontecer.

JC – Então, houve muito alarde sobre uma suposta explosão da violência…..

CS – Se você analisar, qual foi o grande clima de violência nestas eleições? Foram dois meses e meio de campanhas intensas. Se analisarmos a questão que acontece na tradição brasileira, o cotidiano é muito violento.  As pessoas vivem com medo.

Temos dificuldades de andar nas ruas, no centro da cidade. E uma cultura da violência muito grande. Mas a  questão política não foi aquilo que alguns ventilaram, narravam. No cenário eleitoral, tivemos um clima de embates, de questionamentos e de desconstrução de imagens, de posições diferentes.

Tudo isso repercutiu entre pessoas das famílias, em pessoal de grupos de trabalho. A sociedade já se acostumou com esse tipo de campanha. As últimas eleições para a Presidência da República foram também muito polarizadas, mas não nesse nível agora, com tanta intensidade.

Como ocorreu com Lula x FHC, Lula x Aécio Neves, Bolsonaro com Fernando Haddad. No Amazonas, tivemos também vários embates fervorosos. A sociedade já tem essa cultura acirrada. E as instituições estão funcionando plenamente.

JC – As pesquisas foram apontadas como as grandes derrotadas no primeiro turno das eleições. Candidatos que não tinham praticamente visibilidade nesses números acabaram se elegendo. E outros muitos cotados para vencer foram derrotados. Como avalia essa situação?

CS – Isso demonstra que o eleitor não está se balizando nesses números. É ruim proibir as pesquisas porque você estará cerceando, agredindo, a liberdade de expressão, da informação. Então, como vivemos numa sociedade competitiva, a própria sociedade vai estar fazendo a sua triagem de confiança, de integridade. Certamente, os institutos não terão mais a mesma credibilidade. Inclusive alguns deles mudaram de nome porque já não estavam mais com créditos na praça.

E isso tudo não veio de uma imposição de CPI, de leis, mas veio de um processo de amadurecimento da sociedade. Quando a sociedade vota sem influência dos institutos de pesquisas é porque já tem uma maturidade suficiente para se balizar.

Tanto é verdade que vários senadores e deputados foram eleitos no primeiro turno sem terem perspectivas de vencer, enquanto os institutos apontavam  outros caminhos nas intenções de voto.

JC – A campanha do presidente questiona as posições do ministro Alexandre de Moraes, do TSE, que estaria favorecendo Lula. E já se fala até que Bolsonaro não aceitará o resultado caso o petista vença. E se especula também a possibilidade de um terceiro turno nas eleições. Como vê essas narrativas?

CS – Quem escolhe presidente, governadores e outros candidatos é o eleitorado. E cabe à Justiça Eleitoral referendar o resultado. Bolsonaro pode até não concordar, mas a sociedade que votou nele antes pode ser a mesma de um outro candidato.

Independe da vontade do presidente de aceitar ou não o resultado. Nós vivemos num Estado Democrático de Direito, que é o respeito às leis e à Constituição de uma forma clara. E o vencedor é aquele que tiver a maioria dos votos. E cabe ao Poder Judiciário homologar o resultado e dar posse aos vencedores.

JC – Há uma narrativa de que o ministro Alexandre de Moraes não tem sido imparcial em relação à polarização, tendendo mais para Lula…..

CS – Sim, há esse questionamento, mas existem as instâncias para se questionar isso. Tem um ex-presidente que passou 500 dias na cadeia e questionou junto ao Judiciário. Então, não adianta só falar, tem que recorrer. Porque quem vai dirimir coletando provas é o próprio Poder Judiciário.

Existe toda uma manobra de narrativa eleitoral. Faz parte do jogo dizer que está sendo perseguido. As decisões do ministro Alexandre de Moraes não são individuais, mas sim do colegiado. Algumas delas foram questionadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, mas o Supremo acabou reconhecendo essas decisões.

E a campanha de Bolsonaro começou a trabalhar essas questões secundárias. O presidente tinha que focar na conquista de votos. O único fato que envolveu diretamente uma reação de Alexandre de Moraes foi sobre o caso do ato impensado de Roberto Jefferson de usar uma live para agredir uma ministra do STF.

JC – O ato de Roberto Jefferson prejudicou muito o presidente?

CS – Bolsonaro se deixou prejudicar ao mandar ministro para controlar a situação convencendo Jefferson a se entregar. Acho que não prejudicou tirando votos, mas espantou aqueles que poderiam votar no presidente no segundo turno. Até aquele fato extremo, a campanha estava muito próxima, muito apertada.

Eu fiquei muito espantado com tanta ousadia de Jefferson. Acho que a Polícia Federal agiu corretamente. O ex-deputado estava doido para levar um tiro. Atirou, jogou granadas, mas os agentes não responderam.

Mas acho que o presidente se precipitou em meter o ministro no caso. Ele sabe que não tem ligação com o ex-deputado. Deveria ter deixado o cara lá, ignorado.

JC – Quais são as suas expectativas sobre os próximos governantes?

CS – O Amazonas depende das decisões do governo federal. Somos muitos dependentes do ponto de vista da logística. A Zona Franca de Manaus fica à mercê das medidas de Brasília.

E o melhor para o Amazonas seria eleger alguém que goste do modelo ZFM e consiga fazer essa relação com a esfera federal para que os problemas sejam resolvidos.

Precisamos dialogar mais com o governo central. Se Bolsonaro ou Lula se eleger, é muito necessário ter um coordenador junto ao governo federal. O Amazonas já foi muito mais próximo de Brasília, dos presidentes da República. Hoje, não.

É necessário melhorar a infraestrutura aeroportuária, não só aqui, mas também nos municípios do interior. Temos que ter um governador dialogando mais com o presidente da República, independentemente de qualquer partido.

JC – Qual a sua avaliação sobre o vazamento de um dossiê em Manaus apontando uma  suposta relação do prefeito de Manaus e de seu vice com o crime organizado? A imprensa foi atacada, inclusive com ameaças de processo.

CS – Parece que os governantes do Amazonas têm grandes dificuldades de se relacionar com a imprensa, isso desde prefeito a governadores.  A imprensa está ali para o exercício do jornalismo

É um fato muito grave, de repercussão nacional, e precisa de uma resposta muito rápida. O prefeito já deu a posição e a narrativa dele. O secretário de Segurança tem que dar a sua posição. E incluir outra instituição importantíssima que é o Ministério Público. Tem que haver uma investigação sobre esse documento para dar transparência aos dados.

Se for encontrada alguma ilegalidade, que haja justiça. E se não encontrarem, que seja arquivado, que tire da sociedade.

O Ministério Público não pode ficar ausente dessas discussões. É um fato muito grave acusar o prefeito de envolvimento com lideranças criminosas. O setor de inteligência do Estado deve investigar e esclarecer tudo isso para que a sociedade tenha clareza desse fato envolvendo a figura do prefeito.

Mas isso não será resolvido com agressões a jornalistas. As instituições devem dar uma resposta à população.

Por MARCELO PERES

Face: @marcelo.peres   Twitter: @JCommercio

Marcelo Peres

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