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A Odisseia de um Seringueiro – 2° Parte

A Odisseia de um Seringueiro – 2° Parte

A mãe ouviu os tiros e correu em socorro das filhas. Elas acabaram sendo presas junto de um amigo de seu marido, de nome Amâncio, que estava nas proximidades e tentou socorrê-las. Depois de um grande cerco na área, o restante dos seringueiros foi preso, com exceção de um que estava em uma estrada desconhecida pelos homens. Eles saquearam a casa, levando o pouco que havia. Saíram dali com seus prisioneiros: a mulher e filhas de Moraes, os seringueiros e suas famílias.

José Moraes não morreu, mas estava bastante ferido. Auxiliado pelo seringueiro que não foi encontrado, se dirigiu até a casa de um caucheiro (O caucho, castilloa ulei, é uma planta da região amazônica, de mata de terra firme, de onde também se extrai o látex, mas este é inferior ao da seringueira. Pode ser encontrada no Brasil, no Peru, na Bolívia, na Colômbia e no Equador) que também era freguês da firma Asensi & Cia. Ele pediu que fosse até sua casa pegar duas mudas de roupa, no que foi avisado pelo caucheiro que José Gomes Coelho o tinha proibido de prestar qualquer ajuda. Possivelmente sensibilizado, no dia seguinte o ajudou.

Moraes e seu companheiro se embrenharam na mata com o intuito de alcançar o seringal em que estava o dono da firma, Carlos Miguel Asensi (Carlos Miguel Asensi tinha como sócio o coronel Leovigildo Machado. MACIEL, Laura Antunes. Op cit., p. 144). Quando atravessavam o seringal ‘Santo Antônio’, foram denunciados e presos. Nesse seringal, cujo gerente se chamava Zeca, e onde já se encontravam a mulher e as filhas de Moraes, bem como os demais presos, foram todos entregues a José Alves de Sant’Anna, que os levaria para o seringal ‘São Paulo’. Chegaram ao destino em 10 de setembro. Ali deviam aguardar a chegada de Antônio dos Reis Cavalcante, um dos sócios de Asensi & Cia, que cuidaria de seus destinos.

José Alves lembrou José Rodrigues, gerente do ‘São Paulo’, de que os presos deveriam ser castigados, sendo preparados feixes de varas de goiabeira. José Rodrigues, em um primeiro momento, relutou, mas no dia seguinte ele mesmo espancou até a morte o jovem Pedro Caboclo, um dos presos. Antônio dos Reis Cavalcante não apareceu, sendo os prisioneiros levados para outro seringal, o ‘Dois de Novembro’. Antes de partir, Sant’Anna decidiu que os homens presos, a cada pausa no trajeto, tivessem as mãos açoitadas. Aqueles que tentassem reagir ou fugir teriam a cabeça cortada.

José Moraes suplicou para que não lhe batessem. Viu o estado em que ficaram as mãos de seus companheiros. José Alves concordou e, em troca, Moraes lhe venderia abaixo do preço um gramofone que possuía. Talvez esse objeto não existisse, mas foi o que bastou para que não tivesse suas mãos varadas. No dia seguinte chegaram ao ‘Dois de Novembro’, gerido por Fuão Ricardo, estando ali Miguel Leitão, relacionado à firma Asensi.

Algemado e abatido, comia e bebia com a ajuda da mulher, assim como os demais presos. Leitão decidiu que tal situação, para ele “promíscua”, não deveria continuar: Os homens deveriam ser separados das mulheres, elas para Manaus e eles para Pimenta Bueno. Os prisioneiros imploraram, mas não foram atendidos. Os homens foram enviados na frente, enquanto as mulheres ficariam mais um tempo antes de ir. Durante a viagem, Moraes e outro seringueiro conseguiram fugir e, com um prego, tiraram as algemas.

José Moraes decidiu voltar ao ‘Dois de Novembro’, onde conseguiu, sorrateiramente, falar com a esposa, pedindo que ela fugisse e o esperasse no navio ‘Primor’. Sua mulher conseguiu fugir, indo para o local indicado, onde o filho nasceu. Moraes não apareceu, e a mulher partiu para Humaitá, onde deixou o filho com uma família caridosa, e uma mala que possuía, embarcando posteriormente para Manaus. A demora do seringueiro tinha explicação: Ele continuava se esgueirando pela mata, pois continuava sendo procurado por seus algozes. Chegando ao ‘Primor’, negaram a passagem de sua mulher. Voltou ao Mirary e de lá foi para Humaitá.

Conseguindo notícias da esposa, vendeu a mala que ela deixara na casa da família, conseguindo uma soma para vir até Manaus. Chegou a bordo do navio ‘Fortaleza’, em 10 de janeiro de 1914. Foi até a Santa Casa de Misericórdia na esperança de encontrá-la, o que não ocorreu. Nunca mais soube do paradeiro dela ou das filhas. A Odisseia do seringueiro José Moraes não teve um final semelhante à de Odisseu (Ulisses), que conseguiu voltar para Ítaca, para sua esposa e retomar seu lugar de rei. Talvez ele não esperasse que sua vida se tornaria um inferno ao questionar o gerente do seringal. O que ele conseguiu foi nos legar um relato que, depois de mais de um século, sai das sombras do esquecimento, ganhando vida e importância histórica, tornando-se registro de um cotidiano de sangue e de bala, das relações desumanas dos seringais. A Amazônia foi e ainda é uma fronteira, palco de conflitos, de punição, de resistência, de articulação de diferentes modos de produção, assentada sobre o sangue e os ossos de vários trabalhadores como José Moraes.

Fábio Augusto Carvalho

é historiador
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