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A febre educacional da Coreia

P&D, investimentos e resultados

O país tem um dos maiores PIBs da Ásia e 97% dos estudantes concluem o ensino médio, mas, até a década de 60, recém-saída de uma guerra que levou a uma divisão trágica de seu território, a Coreia do Sul era uma economia agrária, muito pobre. Nos últimos 40 anos, o país deslanchou e se transformou em potência de alta tecnologia cujos produtos competem de igual para igual no mercado internacional. O foco na educação é apontado como tendo sido uma das decisões fundamentais que explicam o rápido desenvolvimento sul-coreano. Esse pequeno país, pobre em dotação de recursos naturais, constantemente ameaçada ao Norte por um feroz inimigo (a Coreia do Norte), tem uma verdadeira compulsão pela educação.

Modelo para o mundo
O ensino no país é olhado como modelo para o mundo. Até o presidente Barack Obama, em discurso recente, pediu que os jovens americanos seguissem o exemplo dos sul-coreanos, que passam, em média, pelo menos um mês a mais nas escolas, em cada ano, do que os alunos dos EUA. Há uma série de fatores envolvidos no crescimento de um país, mas os estudiosos do desenvolvimento são unânimes em concordar que os investimentos em educação e na formação de capital humano foram os principais combustíveis da arrancada sul-coreana. O aprimoramento educacional, a partir dos anos 60, precedeu e orientou a expansão econômica da Coreia do Sul.

Febre educacional
A melhoria do ensino ocorreu de um modo sem precedentes. Em 1945, com o fim da colonização japonesa, apenas 22% da população sul-coreana era alfabetizada. Este índice é atualmente superior a 98%. A excelência de suas escolas, atestada por vários estudos mundiais, resultou de a sociedade ter abraçado a ideia de educar para crescer. Para os pais sul-coreanos, a educação dos filhos é uma prioridade absoluta, o que levou à criação de uma expressão entre os analistas que se debruçam sobre a receita sul-coreana: febre educacional. Os alunos da Coreia do Sul são os melhores do mundo em matemática, ciência e leitura, segundo os exames do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Dados da OCDE mostram que 97% dos estudantes sul-coreanos concluem o ensino médio – o mais elevado percentual entre os países pesquisados. E o índice de pessoas com nível universitário, entre 25 e 34 anos, também é impressionante: chega a atingir 60% da população.

Começar pela base
O sistema educacional na Coreia do Sul foi desenvolvido de forma sequencial – explica o professor de História Michael Seth, da Universidade James Madison, Virginia, EUA, autor do livro “Febre educacional: sociedade, política e o exercício da escolaridade na Coreia do Sul”. O foco inicial foi o ensino fundamental, e só depois que ele se tornou universal o Estado passou a investir na educação secundária. É um modelo de educação que concentra sua força no nível básico, considerado estratégico. A parte mais fraca do sistema é o nível superior, compensado pelo fato dos sul-coreanos investirem na busca das melhores universidades internacionais e dos programas de treinamento financiados pela iniciativa privada – afirma ele. O americano destaca ainda outros pontos que fazem até o presidente do país mais rico do mundo admirar a educação sul-coreana. É um sistema homogêneo, uniforme, em que as escolas seguem o mesmo currículo e recebem igual montante de verbas. Refletindo preocupação com a formação de disparidades, desde a época anterior à guerra (1951-1953), já havia um esquema de rodízio de professores para impedir a concentração dos melhores em alguns poucos estabelecimentos. Foi criado ainda um programa de assistência para áreas rurais, no sentido de evitar diferenças acentuadas em relação às áreas urbanas. Outro fator essencial é o investimento no treinamento dos professores.

Salários altos e professores qualificados
Estudo divulgado em setembro deste ano pela consultoria McKinsey & Company confirma a posição da Coreia do Sul, ao lado de Cingapura e Finlândia, no topo da educação mundial e ressalta a seleção dos professores como uma de suas estratégias centrais: 100% dos profissionais dedicados ao ensino são recrutados entre os melhores alunos do ensino médio. Só os mais qualificados podem ser professores. Para ensinar crianças no ensino fundamental, apenas são aceitos nas faculdades de educação (quatro anos) os 5% com melhor desempenho no curso médio. O treinamento é rigoroso, mas há compensações que tornam a profissão muito atraente: bons salários, possibilidade de crescimento profissional e prestígio social. O absoluto respeito ao professor é um valor cultural na sociedade coreana: “Nem sequer pise na sombra de um professor”, diz um provérbio coreano. As classes relativamente grandes na Coreia do Sul, com 35 alunos por turma, ajudam a pagar os professores acima dos níveis de outros países. Professores iniciantes recebem cerca de 1,2 vez o PIB per capita e os salários podem chegar a 3,4 vezes a renda per capita do país. Nos EUA, isso se traduziria em rendas anuais de US$ 55 mil a US$ 150 mil, diz o relatório da McKinsey. Os salários dos professores primários são os mais altos do mundo, situando-se no mesmo patamar da remuneração de médicos e engenheiros. A desistência escolar é baixa. Apenas 1% dos estudantes de educação desiste do curso.

Um valor cultural
A educação na Coreia do Sul não é apenas uma questão de política pública, é também um valor cultural. Conquistas acadêmicas são perseguidas com fervor e envolvem sacrifícios dos alunos e dos pais. Os anos que equivalem ao ensino fundamental no Brasil são gratuitos, mas as escolas de nível médio são custeadas através de tributos. É prática comum, mesmo entre as famílias mais humildes, o investimento em professores particulares, que ajudam as crianças depois do horário escolar e até nos fins de semana. Em seu livro, Seth descreve a mobilização nacional em dia de vestibular: “Um ar de grande tensão paira em toda a Coreia do Sul (…). Uma força-tarefa especial passou meses planejando suas ações para esse dia. Milhares de policiais estão em alerta em várias cidades (…). Voos em todos os aeroportos do país foram limitados, e um esforço especial foi feito para interromper obras, reduzindo ruídos de qualquer espécie”. Segundo dados de 2007 do Ministério da Educação, 350 mil estudantes deixaram a Coreia do Sul para estudar no exterior, a maioria deles em idade universitária, mas também há grupos de crianças que ainda não estão nem alfabetizadas. Nos EUA, os sul-coreanos formam o maior percentual de estudantes estrangeiros, à frente dos chineses, embora sua população seja muito menor. No Japão, quando buscam recém-formados ou estagiários, as grandes empresas sempre se deparam com enorme quantidade de estudantes sul-coreanos que terminaram seus estudos nas mais conceituadas universidades japonesas.
Os números indicam que o país se preocupa tanto com educação que se discute agora se não estaria havendo exageros. A “febre educacional” que acomete a sociedade sul-coreana tem uma conotação positiva e outra negativa. É digno de admiração o respeito dos sul-coreanos pela educação, mas a sua preocupação em obter diplomas de escolas de prestígio é obsessiva – uma fonte permanente de estresse. A educação privada é cara para as famílias e existe forte pressão da sociedade sobre as crianças, que muitas vezes deixam de viver em plenitude a fase infantil de suas vidas em troca da obrigação de ter excelente desempenho acadêmico – pondera o analista americano. Na Coreia do Sul, ao lado do sucesso educacional, também existem problemas que ainda não foram solucionados.

Redação

Jornal mais tradicional do Estado do Amazonas, em atividade desde 1904 de forma contínua.
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